É impressionante como o presidente Jair Bolsonaro conseguiu, ao final, arruinar uma semana que, antes, tudo indicava que poderia ser totalmente a seu favor. Em um momento de oposição sem rumo, de esquerda sem discurso e batendo cabeça, vai se consolidando cada vez mais a impressão de que, hoje, o maior adversário do presidente Bolsonaro é ele mesmo. Na semana passada, Bolsonaro saboreava sensível melhora nos seus índices de aprovação, de acordo com pesquisa do Instituto Datafolha, ratificada por levantamento semelhante da XP Investimentos. Recuperado da covid-19, viajava pelo país em seguidos atos, comícios e inaugurações, especialmente pelo Nordeste. Deveria ter coroado tudo com o anúncio no início desta semana do Renda Brasil, um plano social que se anunciava maior tanto em valores quanto em universo de beneficiados que o Bolsa Família, que alavancou o PT e fez com que o partido tenha sido até agora aquele que mais tempo ficou no poder na história democrática e republicana do Brasil.
Mas Bolsonaro resolveu iniciar a semana prometendo encher de “porrada” a boca de um jornalista. Assim, na véspera do que seria o anúncio do novo plano, ele já tinha ofuscado o seu anúncio com tremenda notícia negativa, que mereceu o repúdio de todos. Mas, para além disso, ele mesmo acabou cancelando o anúncio do Renda Brasil. No seu discurso, porque deseja um valor médio maior para o benefício do que o que pretendia Paulo Guedes. O que não deve deixar de ser verdade. O auxílio emergencial de R$ 600 ajudou a alavancar a economia neste período de pandemia e, como mostrou o economista Marcelo Néri em estudo do IBGE, tirou mais de 13 milhões de pessoas da pobreza. Mas, para muitos, além da questão dos números e da popularidade, também teria pesado sobre Bolsonaro o fato de Guedes ter ele dado anúncio inicial ao plano, que chamou de “Big Bang Day”. O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deu a pista, ao comentar que o presidente se chateara pelo fato de membros da equipe econômica terem vazado o plano.
É o lado de Bolsonaro que não aceita a sombra de ninguém. O lado que o levou a detonar Luiz Henrique Mandetta e optar por uma incompreensível linha de negação da pandemia. O lado que o levou a detonar Sergio Moro, o seu ministro mais popular. A nova crise de ciúmes na Esplanada dos Ministérios fez disparar o dólar e despencar a Bolsa. Na avaliação do mercado, a mesma descrição de cenário: o governo não consegue resolver suas divergências internamente. Lava a sua roupa suja fora de casa, à frente de todos. Gera crises desnecessárias. Esta semana, somou duas. Interlocutores do presidente disseram que, depois do ataque de domingo, Bolsonaro admitiu que se excedera. Que não devia ter ameaçado o jornalista de agressão como fez. Mas, instado novamente a responder sobre os depósitos feitos por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o presidente respondeu ao repórter: “Você não tem uma pergunta decente para fazer?”
É o caso de se perguntar, então, ao presidente: “O senhor não tem uma resposta decente sobre isso para dar?” Porque, na verdade, foram dadas a ele duas oportunidades de explicar essa história. Ele não apenas não deu explicação alguma, como se irritou por ter sido instado a dá-la. O presidente é uma autoridade pública. Deve, portanto, satisfação à sociedade. Há uma suspeita de que o dinheiro depositado por Queiroz na conta de Michelle seja também público. Ou seja: é inequívoca a necessidade de uma explicação. Se há uma explicação, e se é por isso que o presidente se irrita com a desconfiança, que dê a explicação. Se não há, não vai ser ficando bravo que ele vai se livrar do incômodo. E, aí, voltamos à segunda crise, com Paulo Guedes que, no fundo, pode ser quase a mesma coisa. Se houver dinheiro para dar o benefício no valor que o presidente quer, é só se dar o benefício. Mas se, como argumenta Guedes, não há, não será ficando bravo que o presidente fará o milagre da multiplicação do dinheiro.
Democracia é a distância que existe entre o que o governo quer e o que é possível fazer.