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Negação e desorganização

Publicado por: Rudolfo Lago | 21 ago 2020

Esta coluna foi escrita antes de se saber se a Câmara dos Deputados reverteria a retumbante derrota sofrida pelo governo na noite de quarta-feira no Senado, quando foi derrubado o veto presidencial que impedia a concessão de reajustes salariais para várias categorias de servidores. Se foi revertido o veto, certamente foi a um custo bem alto pago na negociação do governo com o Centrão. Se não foi revertido, é sinal de que ainda muito precisa se construir nessa complicada relação entre o Executivo e o Legislativo.

O fato é que praticamente todos os vetos importantes que haviam sido feitos pelo presidente Jair Bolsonaro ao sancionar leis recentes aprovadas pelo Congresso foram derrubados. E, de um modo geral, essas derrotas ainda são herança do modo original de relacionamento – ou, melhor dizendo, de falta de relacionamento – entre o governo e o Parlamento. São frutos do tempo Jairzão Rancor e Ódio que Bolsonaro imprimia antes de adotar nos últimos tempos o novo Jairzinho Paz e Amor.

A tarde começou com a derrubada do veto sobre a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais como igrejas e lojas. O veto era pedra cantada. A decisão de Bolsonaro, no caso, faz parte da sua opção pela negação da pandemia da covid-19. E, no caso, tal negação só atende a uma inexplicável minoria radical. E a expressiva decisão dos deputados no sentido de derrubar o veto e tornar o uso de máscara obrigatório só reforça o quanto a negação da doença é minoria. Já dizia o ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro quando recebeu o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor: “O que o povo quer, esta Casa acaba querendo”.

No caso das máscaras, o problema é o prejuízo que essas idas e vindas causam ao país. A falta de uma estratégia única, a opção por uma coisa desencontrada em que um poder desfaz o que o outro faz tem gerado um efeito sanfona que agrava e prolonga a pandemia.

O que certamente surpreendeu a muitos foi a derrubada do veto no Senado já à noite quanto à possibilidade de conceder reajustes salariais a algumas categorias de servidores. Mas, aí, se a culpa não é do negacionismo obtuso, ela é da imensa desorganização de um governo que tem imensa dificuldade em falar a mesma língua.

Porque, no caso, os senadores não agiram para manter algo que formularam e o presidente vetou. Independentemente do que possa haver de irresponsabilidade no mérito de se conceder reajuste salarial no meio de uma crise como a que vivemos, o que importa é lembrar que a proposta inicial com relação a esse reajuste foi construída pelo próprio governo. Quando o projeto estava sendo negociado, o presidente Bolsonaro deu aval, ao então líder do governo, Major Vitor Hugo (PSL-SP), para negociar a possibilidade de reajustar determinadas categorias mais relacionadas com o enfrentamento da covid-19.

Na época, mais que profissionais da saúde, a chancela do presidente se deu para agradar as suas bases, Forças Armadas e policiais. Só que na sequência o ministro da Economia, Paulo Guedes, alertou Bolsonaro que não havia dinheiro para se fazer tal agrado. E o presidente acabou vetando o que tinha antes dado aval para que acontecesse. No caso, os senadores só continuaram seguindo a orientação original.

Para dar certo, a nova configuração Jairzinho Paz e Amor implica organização, coerência e unidade de discurso. Se o Palácio do Planalto e adjacências continuar mais parecido com a Torre de Babel, não vai haver carinho que dê jeito. Quanto mais difícil for a questão a resolver, maior será a conta cobrada pelo Centrão e outros no Congresso. Não adianta almoçar com a velha política e reclamar da comida depois.

Rudolfo Lago