Logo depois de ter feito a lambança de tentar um golpe a partir de uma renúncia, o ex-presidente Jânio Quadros foi estampado na capa do Jornal do Brasil com uma foto antológica. De costas, ela aparecia com um pé virado para um lado, o outro pé virado para o outro, o tronco do corpo virado para a direita, a cabeça virada para a esquerda.
Ou seja, a foto contorcionista de Jânio Quadros era o resumo em forma de imagem dos gestos confusos do ex-presidente, de seu estilo atrapalhado de administrar o país e dar declarações. Do mesmo presidente que condecorava num dia o então ministro de Cuba Che Guevara e no outro proibia o uso de biquini nas praias.
O tempo todo Jânio fazia com os dribles de Garrincha: fazia que ia e não ia. No gesto da renúncia, fez que ia para não ir. No final, acabou indo. Achava que haveria uma reação popular à sua renúncia que lhe autorizaria a permanecer com poderes autoritários. O Congresso aceitou a sua renúncia, e Jânio, ao contrário do que pretendia, passou para a história como o breve presidente que acelerou as condições para que depois acontecesse o golpe militar em 1964.
Nenhum fotógrafo ainda conseguiu flagrar Jair Bolsonaro em dança parecida com a de Jânio para dar seus passos. Mas a verdade é que, a todo momento, Bolsonaro também tem virado um pé para um lado para em seguida virar o outro pé para o lado oposto. A toda hora vira seu tronco para a direita e a cabeça para a esquerda (aqui, falando somente das duas direções literalmente, porque em termos políticos ele só vai mesmo para um dos lados…).
Há na estratégia do presidente uma insistência na confusão. Confusão que a toda hora se soma à disseminação de informações dúbias e erradas, não se sabe se de forma intencional ou por desconhecimento.
Diante da pressão que sofre desde que começou a CPI da Covid, Bolsonaro trouxe de volta para o seu bunker de comunicação o vereador Carlos Bolsonaro. E, a partir daí, na quarta-feira, resolveu partir para o ataque, reunindo num único dia todas as suas polêmicas. Falou da China, insinuou de novo a história de o coronavírus ter sido produzido e escapado de um laboratório ou ser produto de “guerra química”, chamou de “canalha” quem é contra o tratamento precoce com cloroquina, ameaçou governadores com um decreto para proibir as estratégias de isolamento social.
Pé virado para um lado, ontem Bolsonaro já amenizara o que dissera. Dizia que não tinha falado da China, só mencionado conceitos de guerra química. O que quisera dizer, então? Disse que ninguém na imprensa fala como surgiu o vírus. E disse que nunca chamou a covid-19 de “gripezinha”, que falava sobre seu efeito nele, pelo “histórico de atleta”.
Em primeiro lugar, nossa homenagem a Roseli Aparecida Machado, ex-vencedora da Corrida de São Silvestre, que morreu aos 52 anos de covid-19. Uma das várias constatações de que pessoas com “histórico de atleta” também correm o risco de contrair a doença de forma grave, e não como uma “gripezinha”. Sobre a forma como surgiu o vírus, há diversas reportagens a respeito. A origem está sendo investigada, mas a hipótese mais provável é que tenha vindo de animais silvestres. O mais provável, morcegos. A partir daí, teria havido a transmissão para um hospedeiro intermediário. E desse hospedeiro intermediário para os seres humanos. Quem assistiu ao filme “Contágio”, de 2011, o processo seria semelhante ao ali descrito.
Essa politica de pés trocados do presidente pode até produzir seus efeitos. A cada vez que ele busca desviar o foco com polêmicas – que muitas vezes obrigam mesmo o esforço de serem desmentidas – de fato, consegue fazer com que não se preste atenção a outras coisas.
O problema é que tal estratégia corre o risco de acabar se desgastando. Especialmente diante da dura concretude das mais de 400 mil mortes, que hoje enlutam tantas famílias. Foi o que aconteceu com Jânio. Quando tentou seu golpe final, ele revelou-se um tiro no próprio pé.