Terminada mais uma semana de trabalhos da CPI da Covid, é preciso pontuar a existência de alguns problemas, depois dos depoimentos de duas mulheres, ambas médicas, a oncologista Nise Yamaguchi e a infectologista Luana Ribeiro. São problemas, que, inclusive, os próprios integrantes da CPI agora discutem.
O maior problema talvez decorra do que poderia ser um facilitador no caso dessa comissão de inquérito. Ela não tem muito o que desvendar, o que apurar. Seu objeto já está todo documentado, por dezenas de vídeos, falas e atos públicos do governo. O governo do presidente Jair Bolsonaro, de fato, tomou um rumo, para dizer o mínimo, totalmente equivocado no tratamento da pandemia. Fez apostas totalmente erradas primeiro no tamanho do problema, depois na forma de tratá-lo. E isso teve consequências nefastas, consubstanciadas principalmente no luto das quase 500 mil famílias que perderam seus entes. Caberia à CPI, então, somente organizar tais fatos para apontar as responsabilidades.
O problema é que isso leva à conclusão antecipada das responsabilizações. Transformando tudo, então, num palanque estridente e muitas vezes pouco produtivo no qual senadores oposicionistas digladiam, uns tentando evitar que os outros e os depoentes muitas vezes consigam concluir suas argumentações.
É um risco grande, portanto, passar do ponto e perder ali a necessária compostura essencial para que os trabalhos de fato contribuam para o avanço do país. A forma como alguns senadores trataram Nise Yamaguchi gerou repercussões. Mesmo mulheres que estão longe de defenderem os posicionamentos de Bolsonaro e do governo têm reclamado da maneira pouco respeitosa como uma CPI eminentemente masculina a tratou. Mesmo o Conselho Federal de Medicina saiu em sua defesa, em solidariedade. E acrescentou no seu posicionamento solidariedade também a outra médica inquirida antes, Mayra Pinheiro, a conhecida agora Capitã Cloroquina.
Nise passou um dia inteiro sendo inquirida, e ninguém perguntou a ela, algo óbvio. Se ela acredita na eficácia do tratamento com cloroquina e outras medicações, ela poderia, então, explicar, como tais medicamentos atuam no organismo do paciente para ajudá-lo a enfrentar a infecção. Talvez até fosse possível que ela se enrolasse para dar a sua resposta, supondo que haja mesmo um perigoso grau de achismo no uso de tais medicações. Se isso
acontecesse, aí seria mesmo bombástico. Mas não aconteceu, porque não foi perguntado. Sobre a cloroquina, prossegue um debate quase dogmático: eu acho que funciona, eu acho que não foi funciona, eu acredito, eu não acredito, e ponto.
Em determinado momento do depoimento de Nise, ela estava próxima a dar uma informação importante sobre a tal reunião na qual se discutiu, segundo o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e o diretor da Agência Nacional de Saúde (Anvisa), Antônio Barra Torres, uma modificação na bula da cloroquina para poder ministrá-la contra a covid-19. Nise vinha negando a história da modificação da bula, mas, em determinado momento, ia fazendo menção para que algo nessa linha tivesse de fato ocorrido. Mas, antes de concluir seu raciocínio foi interrompida pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, e a coisa ficou no ar.
Na parada após os dois depoimentos, talvez fosse interessante aos senadores avaliarem se a forma como estão inquirindo é mesmo a mais eficaz. O excesso de interrupções, e a insistência em que as respostas sejam “sim” e “não” quando talvez elas necessitem de contexto.
Por outro lado, talvez fosse interessante aos depoentes um treinamento anterior. Se Nise não foi bem tratada em muitos momentos, é também pela imensa dificuldade demonstrada por ela de responder com clareza e convicção quanto aos pontos que ela diz defender. Enquanto Luana foi certeira, com frases lapidares para derrubar os argumentos de quem foi contra ela. Senadores governistas, como Marcos Rogério e Luiz Carlos Heinze poderiam ter feito com Luana o que Otto Alencar, por exemplo, fez com Nise. Se não fizeram, foi porque Luana assim não permitiu.
Mas o trabalho da CPI é extrair dos depoentes o máximo de informação, independentemente da maior ou menor capacidade de comunicação delas. Não podem, não devem, ser algozes dos depoentes nem dar margem para transformá-los em vítimas. Ou, do final de tudo isso, o que sobrará será muito pouco. Ou mesmo nada.