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Por que o gabinete é paralelo?

Publicado por: Rudolfo Lago | 18 jun 2021

Há uma coisa que intriga na formação do tal gabinete paralelo que assessorou o presidente Jair Bolsonaro na defesa do tal “tratamento precoce” da covid-19 com hidroxicloroquina e outras quase panaceias de pajé sem eficácia comprovada.

Se havia ali médicos, alguns até de renome como a oncologista Nise Yamaguchi, e empresários de sucesso, como Carlos Wizard, por que esse gabinete paralelo nunca foi o gabinete oficial? Por que, na hora de encontrar um especialista para ocupar o Ministério da Saúde, Bolsonaro não colocou um desses assessores? Por que nenhum dos três médicos que ocuparam o cargo de ministros não acreditam no tal “tratamento precoce” e nunca preconizaram nada disso? Por que o único ministro da Saúde a ir nessa linha não era um médico, mas um general de intendência que agora está mais do que enrolado por ter ido nessa linha?

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber parece ter encontrado algumas respostas para essas perguntas na decisão em que manteve as quebras de sigilo fiscal, bancário e telemático de Carlos Wizard. Aparentemente, no entender de Rosa Weber, o gabinete é paralelo porque não havia mesmo a intenção de seus participantes de que ele fosse oficial.

“A eventual existência de um Ministério da Saúde Paralelo, desvinculado da estrutura formal da administração pública, constitui fato gravíssimo que dificulta o exercício do controle dos atos do poder pública, a identificação de quem os praticou e a respectiva responsabilização e, como visto, pode ter impactado diretamente no modo de enfrentamento da pandemia”, escreve Rosa Weber, na sua decisão.

Ou seja: o gabinete parlalelo é meio como aqueles meninos travessos que tocam a campainha da casa das pessoas e saem correndo. Uma ação que “dificulta o exercício do controle” e a “identificação de quem praticou”. E a “efetiva responsabilização”.

E, de fato, isso fica claro a cada uma das pessoas seja do gabinete oficial seja do gabinete paralelo que vai à CPI. Quando vão aqueles do gabinete oficial, como o próprio Pazuello ou o seu número dois à época no ministério, Elcio Franco, as respostas são sempre no sentido de que não preconizaram tratamento precoce, que o aplicativo TrateCov, que insistia nesse tratamento, não foi lançado oficialmente, foi hackeado, que a compra de hidroxicloroquina foi para malária e não para covid, etc. Quando vão os do gabinete paralelo, como Nise Yamaguchi, ela diz que a consulta era informal, que foi apenas conversar com o presidente, etc.

Ou seja, como escreve Rosa Weber, nesse jogo de empurra, ninguém aparece diretamente como responsável por nada. E, na ponta disso tudo, o presidente Bolsonaro repete a lenga-lenga falsa de que o Supremo Tribunal Federal tirou dele a responsabilidade e passou para os governadores e prefeitos, quando o STF, na verdade, só repetiu o que está na Constituição: o Brasil é uma república federativa e, portanto, as decisões são compartilhadas; o Sistema Único é tripartite, o que reforça ainda mais que as decisões são das três esferas.

E essa confusão em torno de responsabilidade, como diz a ministra, é mesmo gravíssima. Seja porque revelou-se um tremendo erro, que já fez morrerem quase 500 mil pessoas e permitiu o surgimento no Amazonas de uma nova cepa do novo coronavírus. Seja porque alguns podem mesmo ter lucrado muito, muito mesmo, com tudo isso. As quebras do sigilo começam a mostrar a relevância de se poder seguir o dinheiro.

A multinacional de produtos farmacêuticos EMS, que fabrica hidroxicloroquina e ivermectina, informou à CPI que lucrou oito veze mais desde que o tal “kit anti-covid” começou a ser disseminado. Produziu nove meses mais comprimidos dessas medicações no ano passado. Faturou vinte vezes mais com hidroxicloroquina no ano passado. Com ivermectina, seu lucro pulou de R$ 2,2 milhões para R$ 71,7 milhões. Se isso tivesse salvado vidas, seria um mérito para o laboratório. Mas já são quase meio milhão de mortos.

Alguém é responsável por isso. O gabinete paralelo confunde essas responsabilidades. Será que os integrantes do gabinete paralelo não tinham assim tenta convicção do que aconselhavam ao presidente para serem o gabinete oficial? Será que sabiam dos riscos que tal caminho acarretava? Terá sido tudo por dinheiro? A CPI precisa ainda descobrir.

Rudolfo Lago