Quando a Câmara foi resolver quem iria cassar após o escândalo do orçamento, resolveu punir o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e poupar o deputado Ricardo Fiúza (PFL-PE). Contra Ibsen, não havia nada de concreto. Já Fiúza era apontado pelo próprio delator do escândalo, José Carlos Alves dos Santos, como um dos chefes do esquema. Ibsen foi punido porque não tinha um bom trânsito entre os colegas. Ao contrário de Fiúza.
Quando o Senado resolveu cassar Luiz Estevão (PMDB-DF), o fez muito mais porque Estevão não tinha construído laços fortes entre seus colegas do que pelo que efetivamente ele cometeu de irregularidades na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP).
Fernando Collor foi cassado muito mais porque não tinha base de sustentação parlamentar do que pelo que efetivamente aprontou de corrupção no governo com a ajuda de seu tesoureiro Paulo Cesar Farias. Da mesma forma, Dilma Rousseff caiu mais pela mesma falta de base e pelo mau relacionamento que tinha com deputados e senadores do que pelas tais pedaladas fiscais.
Ou seja, esqueça os grandes interesses nacionais. Historicamente, deputados e senadores se movem pelo sentimento pessoal que têm com relação aos fatos e aos personagens neles envolvidos. E é justamente isso o que agora poderá ter potencial de murchar o apoio político ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ajudar a complicar no futuro a sua vida, de seus filhos e aliados mais próximos.
Alguns sinais foram significativos esta semana. Na semana passada, quando o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e atual deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) foi alvo de operação da Polícia Federal, moveu-se um grande grupo de políticos oposicionistas em sua defesa. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, foi tirar satisfações do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) – e acabou tomando uma invertida. Antes disso, já tinha acontecido um movimento semelhante de solidariedade ao deputado Carlos Jordy (PL-RJ).
A operação que teve como alvo o vereador Carlos Bolsonaro (de mudança do Republicanos para o PL) esta semana foi recebida com um silêncio quase sepulcral. Carlos é filho do ex-presidente Jair Bolsonaro. Filho dileto. Apontado como o responsável pelo convencimento de que ele deveria disputar a eleição de 2018 e que teria chances de vitória. Considerado o comandante do trabalho via redes sociais que alavancou então Bolsonaro. No entanto, pouquíssimos se moveram em defesa de Carlos.
A primeira explicação é que Carlos, como os personagens citados no primeiro parágrafo, não goza de bom trânsito entre os políticos. É tido como alguém de temperamento dificílimo. Já brigou com todo mundo.
Mas o segundo ponto, e talvez o mais significativo, é a sensação que desde então paira no Congresso Nacional de que o governo Bolsonaro manteve a sigla, mas trocou o seu significado. Em vez de Agência Brasileira de Inteligência, a Abin tornou-se a Agência de Bisbilhotagem Intensa. Ou Agência de Bisbilhotagem Indevida. Ou, mais precisamente, as duas coisas. E, nessa bisbilhotagem intensa e indevida, o que mais cada deputado e senador quer saber é se foi bisbilhotado. E o que pretendia o governo com essa bisbilhotagem.
Já chegou aos ouvidos da turma da oposição, que antes era governo, que muitos deles também foram bisbilhotados. Avisos com panos quentes do tipo: “Olha, não se surpreenda. Não é nada demais. Era só para controle”.
Em princípio, não interessa a ninguém o que o deputado ou senador faz quando deixa seu gabinete e eventualmente não segue direto para casa. A não ser que essa informação possa ser usada depois para gerar pressões e constrangimentos. E é esse o ponto que está irritando o Congresso. Naquela famosa reunião ministerial de 2020, Bolsonaro fala por que razão ele queria mais informações da Polícia Federal e da Abin. Para poder, segundo as palavras dele, agir como um pai que se esconde atrás da porta para saber se a filha está namorando ou o filho usando drogas. “Depois que engravida, depois que enche os cornos de droga, não adianta falar mais”, disse na ocasião Bolsonaro.
Cada um dos 513 deputados e 81 senadores quer saber agora se Bolsonaro e seu sistema de informações andavam os escutando atrás da porta. E não vão gostar nem um pouco se descobrirem que sim.