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Governo, Congresso e a força da grana

Publicado por: Rudolfo Lago | 23 jan 2024

É curiosa a relação entre o governo federal e o Congresso. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenta a todo custo aumentar a arrecadação do país para que se possa investir mais sem ferir os pressupostos de equilíbrio fiscal que ele está determinado a cumprir, com o déficit zero. O Congresso reage duramente a esses esforços. Está determinado a manter a desoneração da folha de pagamento dos 17 principais setores da economia. Chia com o fim da isenção para os sacerdotes religiosos. Então, o governo sanciona o orçamento cortando R$ 5,6 bilhões de emendas parlamentares alegando que não há dinheiro. E o que faz o Congresso? Chia também. E sugere, com a história da reforma administrativa, que o governo trate, então de cortar pelo seu lado, no Executivo.

Parece um paradoxo. Esforços para aumentar a arrecadação são rechaçados. Esforços para diminuir gastos também. Mas é só penetrar um pouquinho mais fundo nesse terreno pantanoso para entender que não há paradoxo. Na verdade, o que há é uma disputa pela chave do cofre. Uma disputa que é por dinheiro. Mas especialmente é por poder.

Às voltas com mais de cem processos de impeachment, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi cedendo ao Congresso mais e mais controle sobre a execução orçamentária, com a história do tal orçamento secreto. Poder dado não se devolve. O Congresso não irá ceder em manter esse poder, tenha ou não tenha orçamento secreto. Muda-se o jeito, muda-se o nome, mas a destinação vai continuar. Assim como quem dá as cartas sobre ela.

No total, o orçamento do governo para 2024 é de R$ 5,5 trilhões. Mas a maior parte dessa imensa quantidade de dinheiro destina-se ao pagamento de despesas correntes. Previdência, folha salarial, custeio da máquina, etc. O que há para investimentos é algo em torno de R$ 70 bilhões. Sendo R$ 54 bilhões para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É aí, nos investimentos, que um governo de fato define a sua cara. Suas realizações. O que planeja fazer para o país.

E o que está previsto para emendas parlamentares ao orçamento? Antes, era quase o mesmo que para o PAC: R$ 53 bilhões. Na sanção, Lula reduziu para R$ 47 bilhões. Ainda é, de longe, a maior bolada de dinheiro posta sob o controle de deputados e senadores. Todo esse dinheiro é para obras e políticas públicas.

Fica clara, então, a disputa sobre quem quer dar as caras do investimento público. Sobre quem quer ter o poder de afirmar onde o dinheiro público foi destinado. Quem quer lucrar politicamente com essa destinação (sem contar com a possibilidade de lucrar pessoalmente, mas essa é uma outra, e longa, história). Ser o padrinho dela.PUBLICIDADE

Para o país, o problema é que os parlamentares jamais terão a visão nacional de país. Eles praticamente só conseguem enxergar o país a partir das suas paróquias. No caso, o cálculo político de deputados e senadores é naturalmente regional. Assim como o cálculo político de um presidente da República é nacional. Porque essas são as searas onde disputam os votos.

O último complicador dessa história é que o Congresso busca mais e mais ter poder sobre essa destinação sem ter na mesma medida a responsabilidade. Porque o regime de governo brasileiro é presidencialista.

Simplificando as palavras: o poder de destinação do Congresso, se der certo o bônus é do Congresso; se der errado, no regime presidencialista, o ônus é do governo.

Rudolfo Lago