Publicado por: Rudolfo Lago | 8 fev 2024
Ainda perscrutando as razões da declaração de guerra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), uma outra chave mais sutil parece estar na leitura feita pelo comandante do Centrão da mensagem de mais de 300 páginas enviada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À primeira vista, a mensagem era um convite ao diálogo e à conciliação. Mas há quem ali no Congresso esteja interpretando que o convite ao diálogo e à conciliação não seria exatamente para Lira. Alguns movimentos do presidente mostram que ele, na verdade, estaria tentando promover um rompimento na turma conservadora que Lira arregimentou, procurando reinstituir com eles a lógica original do tal presidencialismo de coalizão reequilibrando o jogo. Se for isso, será briga de cachorro grande.
Vale rememorar a forma como o Centrão ascendeu de coadjuvante disposto a aderir a qualquer governo a protagonista quando o presidente da Câmara era Eduardo Cunha. A partir do impeachment de Dilma Rousseff, o grupo foi ganhando mais e mais poder.
Começou a se tornar protagonista ainda no governo Michel Temer e ascendeu completamente no governo Jair Bolsonaro com Arthur Lira no comando. Foi quando se azeitou o orçamento secreto. O Congresso passava a depender bem menos do Executivo.
No primeiro ano, Lula aceitou a regra. Agora, quer mudá-la
No primeiro ano, ao perceber que se elegera um presidente de esquerda às voltas com um Congresso de direita, Lula aceitou a manutenção da regra do jogo. Naquele momento, julgou que não tinha força para desarticular a construção que Lira já tinha feito. Agora, tenta revertê-la. Acena para nomes como o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), numa estratégia de, digamos, começar a criar o seu próprio Centrão. Mas esse não há o único aceno. Para fora do Congresso, houve os gestos de aproximação institucional com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL). E foi agora até Romeu Zema (Novo).
Lira, que não é nada bobo, percebeu a movimentação. E somou a ela o movimento de saída do PSB do Blocão que ele criou. E gritou: “Não subestimem esta Mesa Diretora!” Declarada a guerra, então, agora será ver quem tem mais tropas para esse renhido combate.
Esse jogo ensaiado por Lula, porém, não é nada simples. O poder arregimentado por Lira está por trás de uma das situações mais cômodas já experimentadas pelo Legislativo brasileiro ao longo da sua existência. Detém poder negociando pouquíssimo com o governo.
Da sua trincheira, Lira quer tornar ainda mais automática a liberação dos recursos orçamentários das emendas. Para os deputados e senadores autores das emendas, nada melhor que ver esse dinheiro chegando às suas bases sem ter de pedir ao Executivo.
O problema é que nem todo mundo se beneficia exatamente disso. Se os parlamentares não negociam com o governo, têm de negociar com Arthur Lira. É o retorno do presidencialismo contra o parlamentarismo virtual e não assumido claramente do presidente da Câmara.