Publicado por: Rudolfo Lago | 19 fev 2024
Na mitologia alemã, há a figura do doppelgänger. Ele seria uma espécie de cópia em negativo da pessoa. Um duplo invertido. Uma espécie de espelho da alma. Tudo de bom que uma pessoa tenha, será mal no doppelgänger, e vice-versa. Embora seja um grande equívoco, não são poucos, nestes tempos de polarização, os que enxergam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro como duplos assim invertidos. Um equívoco, porque Bolsonaro é alguém que se posiciona bem mais à direita do que Lula se posiciona à esquerda. Mas essas imagens invertidas têm alimentado o raciocínio político nos últimos tempos. Hoje, Lula parece mais propenso a construir pontes que ponham fim a essa polarização. Bolsonaro segue passando a impressão que as alimenta.
É em Lula que Bolsonaro se espelha ao planejar a manifestação do dia 25 de fevereiro. Pelo menos assim enxergam aqueles que estão envolvidos com as investigações e operações que hoje fustigam Bolsonaro e que são a razão da manifestação que ele convocou.
Por isso, é muito pouco provável que se vá promover a prisão de Bolsonaro durante o ato que ele marcou para a Avenida Paulista. Isso seria dar a Bolsonaro a chance de repetir o que Lula fez quando foi preso em São Bernardo do Campo no dia 7 de abril de 2018.
O reforço da condição de vítima levou à redenção
Lula escolheu o cenário que marcava o início da sua trajetória política, a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, para que ali se efetivasse a sua prisão. Um grande palanque foi montado do lado de fora, onde uma multidão se reuniu para ouvir diversos discursos de desagravo ao líder político que ia preso. Depois, durante o período em que esteve recolhido na prisão na sede da Polícia Federal em Curitiba, grandes vigílias foram o tempo todo formadas. Quando se descobriu que o então juiz Sergio Moro combinava lances com os procuradores liderados por Deltan Dallagnol, as ações contra Lula ruíram. Esses atos planejados ajudaram a construir seu retorno como presidente.
Longe de se querer comparar atos e crimes imputados, toma-se agora um grande cuidado para que nada ultrapasse limites e gere exageros que possam levar Bolsonaro a ultrapassar a linha que separa sua condição de investigado à imagem de alguém perseguido.
Evidentemente, vir a prender Bolsonaro no meio de um ato político, convocado por ele, com a presença somente de aliados e apoiadores, seria um erro estratégico de proporções monumentais. Não parece haver chances de que venha a acontecer. Nem há elementos para isso.
Ainda que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, tenha afirmado que existam “provas robustas” de que se articulou um golpe, a formação jurídica para se estabelecer a convicção da participação de Bolsonaro ainda precisaria de mais provas e elementos.
Há quem enxerque, por exemplo, exageros em algumas das ações. Uma: a prisão do presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Outra: o fato de Alexandre de Moraes, aparecendo como alvo e vítima em algumas das provas encontradas, continuar sendo o condutor do processo.