Publicado por: Rudolfo Lago | 14 mar 2024
Há uma relação direta entre a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, da PEC que criminaliza o porte de droga em qualquer quantidade com a discussão, que se tornou pública, entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e André Mendonça em torno da suposta existência de uma “narcomilícia evangélica”. No momento em que a segurança pública vai-se tornando um dos maiores pontos de preocupação da sociedade, a discussão mistura como nunca visões de mundo ideológicas – de esquerda e de direita – e a inserção dessa visão no segmento da sociedade que mais cresce no país, o evangélico. Um segmento que cresce especialmente nas camadas mais pobres.
Ao contrário da direita tradicional – cuja visão estava mais relacionada a aspectos de distribuição econômica -, a nova direita que emergiu está mais relacionada a questões morais e de costumes. O que produz essa aproximação com segmentos evangélicos.
Ao mencionar ter ouvido a respeito da existência de uma associação entre o narcotráfico e evangélicos no que chamou de “narcomilícia evangélica”, Gilmar Mendes mexeu com os brios do segmento, gerando a reação de Mendonça. Generalização pode gerar injustiça.
Conservadorismo evangélico serve como proteção
Muitos dos que acompanham mais de perto o tema, , como a cientista política Mara Telles, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel) avalia que a visão das famílias evangélicas ali muitas vezes funciona fortemente como proteção em um ambiente nas favelas que convida à desagregação social. Tais famílias estariam, ao contrário, mais protegidas do convite do crime para que aquele menino que não estuda nem trabalha vire “avião” e entre no mundo do tráfico. O que o ministro sugere pode até acontecer, mas a generalização gerou reações. E explicita a divisão que resvala na discussão sobre as drogas.
“O governo está perdendo o debate junto a essa população mais pobre”, alerta Mara. A discussão é complexa e merecerá nova coluna amanhã. No caso das drogas, o consumo de maconha hoje não é mais crime passível de prisão. O que julga o STF é estabelecer um critério.
Havia um acordo do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, de que o Senado aguardaria o julgamento na Corte. Mas, então, Dias Toffoli pediu vistas e adiou o julgamento. Pacheco não conseguiu mais segurar.
A PEC aprovada na CCJ endurece a questão. Não há quantidade mínima. Tudo é crime. Se for consumo, não daria prisão, mas penas alternativas. Mas a PEC inviabiliza a discussão no Supremo: sem quantidade mínima, definir se é tráfico ou consumo fica com a polícia.
Nos seus dois primeiros governos, o presidente Lula cresceu muito nas camadas mais pobres com seus programas sociais. Agora pode perdê-las. Muito por dificuldade de dialogar com esses segmentos religiosos que crescem. Seguiremos no tema.