Na quarta-feira (24), Lira colocou em votação no plenário a admissibilidade do que passou a ser chamada PEC da Blindagem. Obteve 304 votos.
A margem é mais larga no caso dos votos pela manutenção da prisão de Daniel Silveira porque ali se somaram os partidos de esquerda. Mas as votações dos temas que envolvem Arthur Lira ou nos quais ele é protagonista na articulação há um número que se repete: 300.
É o que fez meu amigo de análises políticas no Imagem&Credibilidade (que são produzidas em parceria e publicadas diariamente no Jornal de Brasília) Alexandre Jardim cunhar a expressão “Os 300 de Lira”, numa referência clara ao famoso gibi de Frank Miller transformado em filme por Zack Snyder e tendo como um dos protagonistas o brasileiro Rodrigo Santoro.
Vai ficando claro que Lira tem em torno de si uma base de 300 deputados. Que não são propriamente base do governo. São base dele. O apoio do governo à sua eleição foi uma união de propósitos. Quem manda na Câmara é o Centrão, que está com o governo. E não o contrário: quem manda não é o governo, que está com o Centrão.
Fosse assim fluiria na mesma velocidade a PEC Emergencial com a qual tanto anseia o ministro da Economia, Paulo Guedes. Alguém poderia dizer que quem anseia a PEC não é tanto o presidente Jair Bolsonaro, mas seu ministro Posto Ipiranga. Mas se Bolsonaro quer continuar sendo o jogador mais forte do jogo da reeleição em 2022 ele precisa do auxílio emergencial. E se a PEC não anda não anda também o auxílio. Se Bolsonaro ainda é o nome mais forte na corrida, ele despencou em popularidade nas últimas pesquisas, e despencou justamente por não oferecer mais o auxílio.
Rapidamente, os 300 de Lira levaram ao plenário e aprovaram a admissibilidade da PEC da Blindagem, enquanto a PEC Emergencial patina, com uma promessa incerta de análise na semana que vem. Os 300 são de Lira, não são de Bolsonaro.
A PEC da Blindagem é mais um exemplo veemente de que não é bem verdade que o Congresso seja o local no qual “quando o povo quer, essa Casa acaba querendo”. É muito mais o lugar no qual “quando o povo quer, essa Casa interpreta a vontade do povo de acordo com seus interesses e conveniências”.
Segundo disse o próprio Lira, a Câmara votou com larga margem pela manutenção da prisão de Daniel Silveira porque haveria uma brecha legal no entendimento sobre o que é a imunidade parlamentar. Com a brecha, e diante da unanimidade do Supremo Tribunal Federal, manteve o deputado marombado na prisão. Feito isso, trata agora de delimitar a seu favor a possibilidade de novas prisões semelhantes. Ou seja: deixa-se Silveira à própria sorte mofando na prisão enquanto se constrói um caminho para evitar que prisões semelhantes aconteçam com os demais no futuro. O deputado marombado, assim, é bem o que o ministro do STF, Edson Fachin, deixou claro no ato falho no qual esqueceu seu sobrenome: “Daniel o quê mesmo?”.
“Daniel o quê mesmo?” vai ficando preso para que a turma do Centrão, depois que ascendeu do baixo clero para o comando, não seja. Como prêmio de consolação, articula-se o caminho pelo qual planeja-se não se cassar o seu mandato. Espera-se deixar a poeira baixar, delimita-se que comportamentos do mesmo tipo não serão tolerados. Segura-se o ímpeto de outros extremistas menos marombados para que não se valham da mesma quantidade de palavrões e impropérios e, mais adiante, Daniel Silveira livra-se da perda de mandato com, talvez, no máximo, um puxão de orelhas.
É possível que a sociedade se revolte contra isso? É possível. Já se revoltou outras vezes. E, até baseada nesse sentimento, elegeu Jair Bolsonaro. Mas Jair Bolsonaro parece depender dos 300 de Lira. Como outros governos dependeram de outros 300 que são praticamente os mesmos, pelo menos em atitude e pensamento, no passado. Enquanto todo mundo achar que o normal é assim, segue a vida. Esse 300 é um filme impróprio para menores…