Publicado por: Rudolfo Lago | 22 abr 2024
O depoimento dado por Marco Maciel à TV Senado, que está disponível nas suas plataformas, é absolutamente fundamental para todos aqueles que se interessam por política e história do Brasil. Marco Maciel deu esse depoimento a historiadores do próprio quadro do Senado há mais de 15 anos, com o compromisso de que só poderia ser publicado depois que ele morresse. Extremamente cordato, Maciel nunca foi, porém, uma boa fonte para os jornalistas. E esse é a primeira coisa que surpreende no depoimento. Ali, ele tece detalhes importantíssimos das articulações das quais foi protagonista, no fundamental processo de redemocratização do país. E especialmente deixa uma lição para estes estúpidos tempos de polarização.
O depoimento mostra a importância que, em tempos extremos, têm aqueles com a capacidade de cruzar tais linhas do extremismo. Maciel conta que, em vários momentos, encontrava-se com Tancredo Neves, sempre sós, sem testemunhas e às escondidas.
“Se alguém porventura perguntasse se tínhamos nos encontrado, o compromisso de ambos era negar”, conta Maciel. Os encontros costumavam acontecer no apartamento de senador que Maciel ocupava à época na quadra 309 Sul de Brasília. Ali, a ditadura começou a ruir.
Ponto fundamental foi a escolha de Figueiredo
O ponto crucial do depoimento dado por Marco Maciel à TV Senado foi o processo de sucessão de Ernesto Geisel. O processo de abertura sofreu imensa resistência dos grupos militares mais radicais. O ponto mais grave foi a tentativa de golpe dentro do golpe dada pelo general Silvio Frota, que acabou demitido. Na entrevista, Maciel deixa claro que o sucessor de Geisel, João Baptista Figueiredo, não era o nome de sua preferência. Figueiredo tinha sido chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). Estava, portanto, mais ligado à linha dura e não à redemocratização. Teria sido um aceno aos grupos radicais para evitar um retrocesso.
Foi a partir dessa escolha que a demolição do regime militar, porém, começou. Figueiredo chega ao final do seu governo impopular. E tenta impor Paulo Maluf como seu sucessor. As diversas resistências ao nome de Maluf pavimentaram o caminho da eleição de Tancredo.
Maciel conta que havia resistências a Maluf mesmo no meio militar. É aí que começam as conversas às escondidas com Tancredo. E, depois, as conversas públicas para a formação da chamada Aliança Liberal, da dissidência do PDS, que virou PFL, com o PMDB.
Tancredo Neves venceu Maluf de lavada no Colégio Eleitoral. Foram 480 votos para ele contra apenas 180 dados a Maluf. Uma vantagem de 72,7%. A tragédia brasileira fez, porém, com que Tancredo tivesse de ser internado às pressas às vésperas da sua posse.
De novo, gestos de habilidade e grandeza mantiveram a redemocratização de pé. Dentro do Hospital de Base, onde Tancredo estava internado, costurou-se a posse de Sarney e se evitou que o então ministro do Exército, Walter Pires, se movimentasse para evitar a posse.