Publicado por: Rudolfo Lago | 17 maio 2024
O ex-ministro da Educação Cristovam Buarque estava em Lisboa no famoso café A Brasileira, onde há uma estátua de Fernando Pessoa. Ali, ele dava uma entrevista a um jornal português, quando seu celular tocou. Cristovam atendeu, ouviu muito e pouco disse. Alguns minutos depois, disse à repórter que o entrevistava: “Acabei de ser demitido”. A repórter olhou-o incrédula e fez o seguinte comentário: “Vós, brasileiros, tendes mesmo um humor muito peculiar”. Não era uma brincadeira: Cristovam tinha mesmo acabado de ser demitido pelo telefone, a partir de uma ligação saída do terceiro andar do Palácio do Planalto. O episódio vem à lembrança pela forma semelhante como agora foi demitido Jean Paul Prates da Petrobras.
Nos dois episódios, a mesma certeza: contrariar Lula é um grande perigo. Após a sua demissão, Cristovam cunhou uma expressão para explicar seu sentimento: “Frustralívio”, uma mistura de frustração com alívio. Porque houve tensão com Lula quase o tempo todo.
Cristovam dava declarações nas quais criticava posicionamentos de Lula que considerava equivocados com relação às prioridades que deviam ser dadas à educação. Imaginava que podia ser uma forma de pressionar. Lula nada dizia, mas ia acumulando.
Lula esperou poeira baixar para demitir Prates
Na questão da Petrobras, repetiu-se o roteiro. Menos do que a questão específica sobre a distribuição dos dividendos da estatal, o que tirou o humor de Lula foi ter interpretado que Prates queria agir na Petrobras como se não fosse um seu subordinado. Ok, a Petrobras é uma estatal, com outros acionistas e certos compromissos com o mercado. Mas o maior acionista é o governo, e quem nomeia o presidente da empresa é o presidente da República. Ao final, Lula até acabou pagando os dividendos da forma como não queria. Mas, além da questão prática, o que o irritou foi se ver contrariado quando Prates se absteve no tema.
Se com Cristovam Lula pegou o telefone e demitiu-o sem maiores considerações, com Prates a diferença foi a presença física. Mas tinha sido Prates quem tinha pedido antes uma reunião com Lula. Quando Lula marcou, foi para comunicá-lo que precisava do cargo.
Lula ainda manteve na sala os dois desafetos de Prates no governo: os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa. Levando Prates mesmo a dizer, na carta que enviou aos funcionários da Petrobras, que os dois se “regozijavam” com a situação.
Tanto no caso de Cristovam quanto no de Prates, é incorreto imaginar que os problemas decorreram mais de questões políticas e ideológicas. Ambos são de esquerda. Cristovam, como governador do DF, deu início aos processos sociais que redundaram no Bolsa-Família.
E Prates, como senador, sempre esteve afinado aos posicionamentos políticos do PT. Mas as mágoas podem gerar reações. Cristovam acabou deixando o partido, foi primeiro para o PDT e depois para o Cidadania. Prates talvez agora faça caminho semelhante.