Publicado por: Rudolfo Lago | 19 fev 2021
Entre a tragédia da derrota para o Uruguai na Copa de 1950 e o triunfo contra a Suécia na Copa de 1958, o genial dramaturgo e cronista esportivo Nelson Rodrigues criou sua definição sobre a psicologia do brasileiro: o “complexo de vira-latas”.
Especialmente nos momentos em que falha, o brasileiro tem uma imensa vergonha de si mesmo. Vivemos de enxergar qualidades muitas vezes duvidosas em outros países e povos e não temos a mesma capacidade de enxergar as nossas. Somos um país eternamente imaturo e infantil nesse sentido. E talvez por isso tenhamos tantas vezes interrompido a nossa experiência democrática por uma pressa tola. Mais de uma vez imaginamos ditaduras como um atalho para descobrir, infelizes depois, que na verdade são uma picada bem mais sofrida e comprida, um atoleiro.
A opção por tomar essa direção na encruzilhada é uma associação entre gente má e mal intencionada e tolos ingênuos. Os maus ficam na entrada indicando o caminho. E os tolos seguem sem pestanejar. E, depois, os tolos reclamam da nossa eterna tragédia. Parecem se esquecer rapidamente que o atoleiro foi o caminho escolhido por eles mesmos.
No momento, pululam nas redes sociais os dois tipos de gente. O marombado deputado Daniel Silveira é lamentável espécime da primeira leva. A escolha de um candidato conservador, mesmo de uma direita mais extremada, deveria ser um processo normal na democracia. Em países maduros, presidentes de esquerda e de direita se sucedem sem que o regime seja contestado. Faz parte da saudável necessidade da alternância de poder. No Brasil, infelizmente, a opção por um nome conservador fez emergir uma leva monstruosa de gente sem apreço à democracia. Gente que tem saudade de um tempo que nunca houve. Gente que tem saudade de uma mentira.
Do outro lado, as redes sociais estão infestadas de tolos que repetem frases feitas do tipo: “Democracia aqui?”. Sim, democracia aqui! O processo de reconstrução democrática brasileiro é dos mais bonitos e deveria nos ser motivo de orgulho. Produziu a Constituição de 1988 que, apesar dos seus defeitos, é recheada de importantes conquistas sociais e de instituições meritórias como o Ministério Público. Produziu o Sistema Único de Saúde que, apesar dos desafios de atender a uma população tão pobre e desigual, é o mais universal e generoso sistema de saúde do planeta. Produziu a estabilidade econômica, que livrou o país da inimaginável confusão econômica que os que não viveram os tempos de hiperinflação nem conseguem ser capazes de entender.
É inacreditável que alguém com a falta de educação e a cara de vilão dos piores filmes da Marvel seja capaz de convencer outros a enveredar pela trilha do atoleiro que indica. Mas muitos tolos uivam diante da conclusão equivocada e tola da tal falta de democracia. Uivam ao não perceberem que as situações de outros países e povos que admiram são fruto de uma longa e sofrida construção. Esquecem-se dos sofrimentos e agruras passadas de países que hoje acham lindos exemplos de civilização. E ignoram ainda que, se não chegamos lá, é porque a toda hora preferimos enveredar por esses falsos atalhos. E, depois, é muito difícil recuperar o tempo perdido no atoleiro.
Democracia é construção. Não é produto comprado pronto na prateleira. A cada eleição, a cada escolha, o voto educa com seus acertos e erros. E é a partir daí que os demais frutos possíveis da democracia – mais igualdade, mais tolerância, mais desenvolvimento – podem ser colhidos. Mas esses frutos só serão colhidos se for essa a escolha. Porque é o mesmo povo que opta por perseverar no caminho certo ou preferir o falso atalho.
Depois, não adianta reclamar quando a lama começar a bater na cintura. Quando o corpo começar a se afundar nela. Quando, mais uma vez, diante do caminho errado, se perceber bem tarde que a vereda nada tinha de atalho. E que não haverá mais jeito de dar a volta para corrigir o rumo.