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O Rei está nu!

Publicado por: Alexandre Jardim | 14 maio 2020

Em um reino não muito distante, o Rei saiu nu pelas ruas de seu país… Se você já conhece a história, eu lhe convido para seguir comigo até o final para ver se lembrou da mesma ou se viu algo novo desta vez. Então, agora, vamos continuar com a história do Rei…

Ele acreditou que se vestiria com a mais bela e única de todas as vestes que um monarca um dia teria envergado. Iludido por um espertalhão, que se autoproclamou “alfaiate real de fina estirpe e longa tradição”, o rei acabou sendo convencido – apesar de ser um monarca bem intencionado mas também muito vaidoso – de que ele se vestiria com o que havia de mais fino e nobre em comparação com todos os reis existentes naquela época! Para isso, bastava que o convencido soberano entregasse ao malfeitor do reino seus tesouros mais valiosos já que a tal roupa seria incomparável a todas as demais usadas pelo Rei e ele seria aplaudido pela multidão de súditos quando com ela desfilasse pelo reino. O falso alfaiate simulou toda a produção com objetos que pareciam reais mas que eram somente ilusões. A falsa realidade distraía o Rei enquanto o pior ainda estava por vir. O mentiroso tecelão criou situações que simulavam a realidade e o simplório monarca acreditou em tudo o que via sem diferenciar o mundo real do virtual (Ops!), quer dizer do imaginário. Logo após receber “tão fina e rara vestimenta”, o Rei decidiu sair às ruas para ser visto e aplaudido como gosta que aconteça. Com um largo sorriso estampado no rosto e o seu peculiar deboche, ele saiu para logo em seguida ser surpreendido ao ouvir uma voz que gritava no meio da multidão: 

– O rei está nu! (exclamou para o assombro de todos uma criança em sua sinceridade, inocente e pura, e como deve ser o agir de todos os que dizem verdades mesmo quando ninguém as tem coragem de dizer com medo do que o Rei vai pensar). 

A farsa ao ser revelada à majestade real por um súdito de tão pouca idade, mas que dele gostava e torcia por seu sucesso, o envergonhou de tal forma que fez com que o Rei nunca mais quisesse sair às ruas de seu reino. Ele perdeu toda a autoridade para governar e do seu palácio viu seu sonho ruir. Nem mesmo os chefes de suas províncias o obedeciam mais, mas dele faziam piadas. Com isso, o seu governo também acabou diante da necessidade de enxergar a verdade – muitas vezes dura e cruel – mas que precisa ser encarada por todos aqueles que desejam o bem do país. O mais estranho é que nem os conselheiros e ministros do Rei, sempre próximos e que com ele passavam a maior parte do tempo, ousaram falar a verdade com medo da reação do monarca. Ao invés de ajudarem, eles o levaram para o buraco e junto com ele também caíram. O pior dessa história foi o Rei ver, com o fim da sua condição de governar, que o país colocado acima de todos foi tomado por todos os malfeitores que ele jurou afastar. No fim de sua vida, desgostoso com a oportunidade perdida e obscurecido pela ilusão que o convenceu a entregar seu tesouro, teve ainda de ver as velhas e felpudas raposas, que também acreditou que iriam lhe ajudar, desfilando sorrateiras e felizes pela Corte destilando mentiras e vendendo sonhos que não garantem entregar, nem a ele e nem a outros, mas com muitas promessas de resultados desde que recebam em troca posições de destaque – independente – dos reinos que venham a governar. 

A história original, que inspirou este conto, veio da Literatura Espanhola e de uma antiga coleção da Era Medieval, datada do ano de 1335, mais conhecida como Libro de los ejemplos ou El Conde Lucanor. Apesar de já serem antigos, os textos que inspiraram a coleção citada vêm de tradições literárias ainda mais antigas e que foram compilados pelo Príncipe de Vilhena, Juan Manuel (1282-1348). Porém o sucesso e difusão internacional se deu bem depois, em 1837, pelas mãos do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, quando publicou o conto com o título “A roupa nova do rei”. O fato é que após rodar o mundo e até ser usado para inspirar teses acadêmicas, a história continua a ser contada por adultos enquanto é apreciada por crianças de todas as épocas. Ela sempre ganha uma nova versão, normalmente, adaptada aos lugares onde é contada. Não seria diferente se, em algum dia, ela também fosse contada pelas bandas do Planalto Central do Brasil. Um lugar que também inspirou muitas histórias. Local de arquitetura única e que surgiu do que muitos um dia disseram ser a ilusão de um Rei sonhador – desses que gostava de serenata e bossa nova – para depois se tornar realidade e virar uma cidade boa de se viver, na qual as curvas do arquiteto se misturam com as curvas do Criador em uma perfeita harmonia de esplêndida beleza, que faz do céu também único. O problema é que a cidade ainda permite que espertalhões nela vivam ou que, por períodos, permaneçam só para iludir outros reis. 

O jogo da política é duro e nele só permanecem os profissionais, já dizia um experiente líder do Senado que por anos comandou o processo legislativo naquela Casa. Nesse jogo há ainda o poder da mídia e tudo que ela representa em termos de conquistas de liberdades e prestação de serviço com informação à sociedade. Como se não bastassem os profissionais e a mídia ainda tem a turma que influencia, normalmente, composta por banqueiros e grandes empresários. Se todo esse conjunto que forma o ambiente político, em Brasília, não fosse por si só um local que “piscou, já era” como também ensinava um antigo e experiente parlamentar que já não vive mais desse mundo, há a nata da burocracia estatal. Essa é sabedora de que mesmo que o poder estabelecido dure muito tempo por aqui, o tempo deles sempre será maior (em média é de 30 anos). No quesito durabilidade no poder, ninguém ganha deles e, por isso, não adianta querer muito porque quem dita o ritmo é “quem chegou antes e vai sair depois” já dizia um outro velho funcionário público que sempre achava um cafezinho morno nas longas madrugadas de votações importantes no Congresso Nacional.

Se você acha que acabou, não sabe nada… inocente! Por essas bandas daqui – eu já disse isso alguns artigos atrás – o mais bobo é deputado federal. Aqui não é terra de iludidos e muito menos de se iludir. O jogo é bruto e não dá para acreditar que essa turma toda, que há décadas comanda o processo – independente de quem esteja no poder momentâneo – vai deixar que a nova roupa do Rei, como também é chamada a nova mídia (redes sociais), irá garantir a ele mais do que os “viscondes, barões, condes, duques e arquiduques” já garantiram aos que habitam ou desejam permanecer no “seio da Corte Federal”. Por mais que a estrutura tenha sido mexida. Por mais que as velhas práticas pareçam ter sido extintas. Por mais que a sensação de apoio não precise mais vir de alianças midiáticas. A realidade é que muitos dos que comandam o processo há anos, nele farão de tudo para permanecer porque – afinal – assim caminha a humanidade. Alguns deles, em conversas reservadas com jornalistas, já comentam que o rei está nu pelas ruas mas que ainda não sabe disso. 

A recente história desse país revela que só presidentes com muita habilidade, jogo de cintura e conversa mansa se mantém até o final do jogo. E olha que ninguém chega nesse patamar máximo sendo um tolo… lembra da frase que o mais bobo é deputado federal? Pois bem, o problema é que mesmo sendo inteligente, bem intencionado, ter “aparentemente” o apoio das ruas para tentar fazer diferente, há uma liturgia que até deixa ser mudada mas que não permite ser quebrada. Vejam os exemplos ocorridos porque a história muito nos ensina, sejam com contos ou não. Em 94 anos, no Brasil, só cinco presidentes da República terminaram os seus mandatos sendo que dessa lista dos cinco, um deles – ou melhor uma deles – não terminou o seu segundo mandato. Já os outros 20 eleitos pelo povo, em quase um século de história, não terminaram seus mandatos por diversas causas como deposição, renúncia, morte antes da posse e até suicídio. Importante ressaltar que da lista mencionada só constam para registro os presidentes eleitos por voto popular. Essa lembrança não veio à toa. Aliás, também como já me disse um outro parlamentar da velha guarda nestes meus quase 30 anos de profissão, “por acaso não acontece nessa cidade e tudo é calculado”.

Se essas reflexões lhe fizeram chegar até aqui, vamos a uma outra e mais interessante. Ela me foi contada por um dos melhores jornalistas que conheci quando cheguei para cobrir Política na capital federal, mas que já foi para o “andar de cima”. Numa dessas noites intermináveis de trabalho jornalístico, em Brasília, ele me contou a seguinte história: “Amigo, a Presidência da República é um ser com vida própria e cheia de caprichos. Ela é grande demais e não permite que a façam menor do que ela é. A Presidência do Brasil é uma senhora bem educada e de finos modos, que até aceita nela permanecer quem não tem o mesmo comportamento educado mas desde que tenha limites nesses modos. Ela sabe que pode moldar quem nela está de forma a sair maior do que entrou. O que nunca acontece é alguém querer reduzi la ao tamanho de quem a ocupa. Quando percebe que a querem fazer menor do que realmente é, ela trata de elaborar uma forma de expulsar quem não considera estar à altura de com ela permanecer.” Confesso a você que essa história me fez encarar a vida política de outra forma. O poder em Brasília é exercido diferente de como é no resto do país. Quando ouvi isso, numa destas madrugada de votações pelo fim dos monopólios estatais no Brasil, ela me marcou. Desde então, aprendi que o temperamento da Presidência é assim… imutável. Muda quem nela está ou ela o muda pra outro lugar! Ainda que muitos se esqueçam das histórias, é bom prestar atenção porque elas costumam se repetir. Se a mídia já não é mais a mesma, a Presidência da República permanece igual. Ela é a mesma velha senhora, cheia de caprichos e cuidados consigo mesma, que sempre mantém a esperança de que o Rei a veja e a trate com o respeito que ela merece mas que também – se assim não acontecer – não se ressente em mandar embora quem insistiu sair nu por aí.

Alexandre Jardim