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Remédios, aborto e a pressa da Câmara

Publicado por: Rudolfo Lago | 18 jun 2024

Dois episódios recentes mostram os riscos da patrola que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conduz sobre os demais deputados no Parlamento. Para impor sua vontade e seus acordos, Lira opta por abrir mão dos ritos completos da Câmara. É uma forma de demonstrar o poder que tem. Por outro lado, isso faz com que os projetos sejam enfiados goela abaixo, sem discussão prévia. Mas essa falta de discussão prévia gera consequências. Se tal discussão tivesse havido, distorções poderiam ser identificadas e corrigidas. Ou se teria a real dimensão do posicionamento da sociedade a respeito. Como nada disso aconteceu, dois pepinos na mão: o que fazer com o risco de taxação de medicamentos e com o PL do Aborto.

Medicamentos

O risco de taxação de medicamentos surgiu como “jabuti” que taxou as “blusinhas” importadas. Em vez de propor um projeto, Lira enfiou como contrabando no Programa Mover. Esqueceu-se da portaria que isenta medicamentos importados por pessoas físicas.

Efeitos

Ao parceiro Fernando Molica, o relator do Programa Mover, Átila Lira (PP-PI), disse que se preocupara com o risco, e que cuidados foram tomados para que não aconteça a taxação dos remédios. Bem, ele, na verdade, foi arrastado do risco pelo Correio da Manhã.

Posição da sociedade seria sentida em discussão prévia

É até possível que se resolva uma forma de não taxar os medicamentos com o “jabuti” das blusinhas, embora a tabela aprovada não preveja exceções. Uma discussão prévia teria corrigido a questão no texto. O tema do abordo é decorrência do mesmo açodamento e da mesma falta de discussão. Ao fechar um acordo com a bancada evangélica para colocar em regime de urgência o PL, Lira deve ter avaliado que o viés conservador atual da Câmara refletiria totalmente a sociedade. As reações demonstraram que não é bem assim. A sociedade pode não ser assim tão conservadora. A pressa ignorou a diversidade brasileira.

Urgência

Os dois episódios começam a gerar uma reflexão sobre o uso torto do regime de urgência. A urgência dispensa a tramitação tradicional pelas comissões temáticas. Mas, evidentemente, ela é pensada exatamente para aprovar algo que de fato seja urgente.

Enchentes

Se acontece, como aconteceu, uma enchente no Rio Grande do Sul, por exemplo, é natural que se dispense a urgência para aprovar algum projeto que auxilie a população vítima da tragédia natural. Mas o que justifica urgência para votar projetos antigos?

Delação

No caso do projeto que proíbe delação premiada, o texto original, do ex-deputado Wadih Damous, do PT, é de 2016. Aconteceu algo novo, alguma situação imprevista, que justifique a votação em regime de urgência de um projeto apresentado há oito anos?

Aborto

O Código Penal, onde estão as exceções nas quais o aborto é permitido, é de 1940. O que justifica urgência para alterar uma norma estabelecida há 84 anos? Tudo sempre pode ser alterado. Mas por que sem discussão? E correndo o risco de cometer erros imensos?

Rudolfo Lago