Publicado por: Rudolfo Lago | 30 jul 2024
Há duas semanas, comentávamos aqui a frustração de algumas organizações que atuam junto às comunidades indígenas diante da sensação de que o governo, diante das suas várias pressões e problemas, estaria jogando a toalha para alguns temas, diante da correlação de forças desfavorável no Congresso e em parte da sociedade. Na segunda-feira (29), uma nova evidência nesse sentido. Os representantes dos indígenas no Grupo de Trabalho (GT) do Ministério dos Transportes que discutiam a retomada das obras da Ferrogrão, ferrovia de 933 quilômetros que liga a cidade de Sinop, no Mato Grosso, ao porto de Mirituba, no Pará, resolveram romper as negociações. Saíram alegando que simplesmente não eram consultados.
A Ferrogrão é uma dessas obras que fica exatamente no cerne das tensões entre desenvolvimentistas e ambientalistas. Na região na qual a popularidade do governo é a mais desfavorável. Com imensa pressão do agronegócio. E as populações originais do outro lado.
A ferrovia está prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com investimento de R$ 25 bilhões. É considerada fundamental para o escoamento da produção de grãos no Centro-Oeste. Mas seu trajeto passa dentro de reserva indígena.
Trajeto passa dentro do Parque do Jamanxim
Uma Medida Provisória editada no governo Michel Temer ampliou a faixa da ferrovia na lateral da rodovia BR-163, avançando por 466 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, onde vivem Kayapós e outros povos indígenas. O Psol e os povos indígenas entraram, então, com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) alegando que esse avanço sobre a reserva não poderia ser feito por medida provisória, e que uma alteração no parque nacional só poderia acontecer com a anuência dos povos que ali vivem. O ministro Alexandre de Moraes atendeu à ação, suspendendo a obra, mas buscando um entendimento.
O entendimento viria pelo GT. “Fomos pegos de surpresa com a informação de que os novos estudos foram aprovados e já enviados à Agência Nacional de Transportes Terrestes [ANTT]”, disse ao Correio o relações públicas do Instituto Kabu, Mydjere Kayapó.
O Instituto Kabu representa os indígenas na questão. Na nota, assinada também pelo Psol, reclamam que a falta de interesse do governo por uma solução negociada foi tanta que a Casa Civil, durante um ano, não chegou a participar de nenhuma reunião do GT.
“O que deveria ser um espaço de diálogo transversal e interministerial terminou esvaziado”, diz a nota, obtida pelo Correio Político. “O que deveria ser um espaço de debates profundos terminou sendo um ambiente secundarizado e sem ressonância”.
No fundo, ficam claras as tensões internas. O agronegócio pressiona pela ferrovia. Desenvolvimentistas alegam que impulsiona a economia. Mas afeta a preservação ambiental e os interesses dos povos originários. Dilemas de um governo dividido num tempo polarizado.