Algumas observações de políticos sagazes e experientes serão sempre oportunas e atuais. Como a frase do ex-governador de Minas Gerais Magalhães Pinto de que “política é como nuvem; a gente olha, está de um jeito; olha de novo, já está de outro”.
Quem olhou para o céu da política um dia depois das eleições municipais viu claramente nuvens que apontavam para um desejo do eleitorado de mudar o rumo da polarização, do já famoso e cansativo Fla X Flu que marcou o pleito presidencial de 2018. Nem os nomes claramente apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro nem os candidatos do PT tiveram bom desempenho.
Diante da paisagem celeste daquele dia, ficamos todos esperando para a conformação das nuvens no capítulo seguinte: as eleições para os comandos da Câmara e do Senado, para o Poder Legislativo. E eis que as nuvens, como já dizia Magalhães Pinto, mudaram todas de lugar.
Poucas pessoas na vida amargaram mais um erro de avaliação que o ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro. Quando recebeu o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, o gaúcho Ibsen cunhou a seguinte frase: “O que o povo quer, esta Casa acaba querendo”. Dois anos depois, quem era cassado pelo plenário da Câmara era ele, no escândalo do Orçamento. E não porque era assim que o povo queria. O envolvimento de Ibsen com o esquema do Orçamento não era muito claro e nunca ficou muito provado. O povo queria ver cassados aqueles que de fato estavam diretamente relacionados, como o ex-relator Ricardo Fiúza. Mas, na época, o PFL, partido de Fiúza protegeu os seus. Os deputados não gostavam muito de Ibsen, e ele acabou pagando o pato.
A história de Ibsen mostra que a frase correta deveria ser: “O que o povo quer a elite política interpreta à sua maneira e de acordo com o seu interesse”.
Na clara demonstração de que já não queria manter a polarização política, o eleitor no ano passado retomou o voto nos políticos mais experientes. Trouxe de volta a velha política. E a velha política, agora nas eleições no Congresso, resolveu tomar as rédeas. Não exatamente como talvez desejasse o eleitorado, mas à sua maneira e de acordo com o seu interesse.
Enterrou o caminho que apontava para a construção de uma outra via para as eleições de 2022. Até porque há um outro fator que é sempre preciso de levar em conta: na mesa de pôquer da política, seus jogadores nunca apostam no escuro, nunca fazem apostas arriscadas. Se o eleitor apontava para o fim da antiga polarização, por outro lado não havia a menor clareza da existência de alguém que na eleição presidencial pudesse se beneficiar disso.
O nome mais provável, o governador de São Paulo, João Doria, não conseguiu ganhar projeção nacional. Ciro Gomes, do PDT, não arregimenta nem a esquerda. Luciano Huck segue sendo somente um apresentador de TV. Marina Silva desapareceu dentro da Rede. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro de fato perdeu popularidade e parte dos seus eleitores por conta das trapalhadas no enfrentamento da covid-19. Mas ainda tem mais de 30% de popularidade, e isso é mais do que têm seus adversários.
Assim, a velha política interpretou o sentimento do eleitor à sua maneira e de acordo com o seu interesse. Em vez de fazer uma aposta no escuro, resolveu tentar moldar Bolsonaro, percebendo a sua fragilidade e a sua necessidade.
A carta de intenções assinada pelos novos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, é uma demonstração clara do caminho que vão adotar. Nunca os comandantes do Congresso iniciaram seus mandatos com um compromisso por escrito. Um compromisso que recoloca Bolsonaro na linha dos grupos menos radicais que em 2018 aderiram a ele. Ao empresariado, comprometem-se com a agenda reformista liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Aos que sabem que a Terra é redonda, acenam com a promessa de que o Congresso trabalhará para acelerar as ações contra a pandemia.
E tentam colocar de volta os radicais de extrema-direita de Bolsonaro no nicho deles, de animais exóticos no Zoológico da política.
Se o jogo vai dar certo, é preciso de novo recorrer a Magalhães Pinto. As nuvens da política vivem mudando. E se Bolsonaro ganhar agora com o aval dessa turma novo fôlego e isso vier a dar confiança à turma da extrema direita?
Quando houve o mensalão, em um contexto diferente, a turma achou que o ex-presidente Lula sangraria e, ao final, seria facilmente derrotado na eleição seguinte. Lula se recuperou, se reelegeu e elegeu sua sucessora. São as nuvens da política…