Enquanto Vinicius Jr. assistia da arquibancada, suspenso porque tinha levado dois cartões amarelos, o restante do time corria tresloucado pelos gramados dos Estados Unidos distribuindo novas botinadas.
Ficamos restritos a isso. Num tempo em que faltam meias e pululam volantes, mesmo o melhor do time troca os dribles pelas botinadas.
Não deve ser por outra razão que a camisa amarelinha tenha se tornado o símbolo de um segmento da sociedade que, em vez de celebrar a democracia, também prefere distribuir botinadas. Que diz amar a Pátria, mas prefere destruir seus símbolos e os prédios da República. Que fala em Deus para destilar o ódio. Que fala em família sem ter a menor fraternidade.
Transferidas as “quatro linhas da Constituição” (na verdade, desrespeitadas o tempo todo) para as quatro linhas do gramado (que andam igualmente desrespeitadas), é assim que se joga bola desde que o destino tragicamente negou à geração das Copas de 82 e 86 o destino à glória. Melhor jogar feio e ganhar do que jogar bonito e perder. Como disse alguém, muito pior é jogar feio e perder.
O resultado disso é que, sem alegria, a seleção não entusiasma. Mesmo quando eventualmente vence. E isso é cada dia mais raro. Não entusiasma porque não entusiasmar parece mesmo o propósito. Por que um time egoísta, formado por jogadores ególatras, se preocuparia em nos entusiasmar? Provocar alegria não é o propósito de quem essa seleção representa. Nem daqueles que andam hoje pelas ruas envergando a amarelinha.
O resultado disso tudo é que estamos virando um país triste. A ideia de um país ensolarado e fraterno, bem-vindo a todos, vai perdendo o sentido à medida que cresce um país misógino, machista, racista. De uma turma movida pelo ódio e pela agressão, de onde se esperar fraternidade?
Como esperar que o Cristo Redentor de braços abertos, símbolo maior do Rio de Janeiro, continue fazendo algum sentido diante de um povo que não recebe os diferentes de braços abertos? E que muitas vezes age assim invocando o que seria o mesmo Cristo, quando, evidentemente, não é.
Como esperar que tal fraternidade se reflita nos campos de jogo, se o comandante disso tudo não é mais o Doutor Sócrates? Mas talvez alguém envolvido com um esquema de fraude nos resultados do futebol?
Em um momento crucial do romance O Nome da Rosa, o personagem principal do livro de Umberto Eco pergunta ao abade que comanda o convento por que matar pessoas simplesmente para evitar o acesso a um livro, no caso a Poética de Aristóteles. “Porque é um livro de comédia”, responde o abade. “Não se pode permitir às pessoas que riam. Porque quem ri, não teme”.
No caso, o abade se refere ao temor a Deus, no seu discutível conceito. Mas vale para qualquer um que queira impor a sua vontade pelo temor, e não pela fraternidade. Enquanto distribuímos botinadas, nos xingamos e nos agredimos, vamos ficando mais tristes…