Não é de graça que O Rei Leão tornou-se um clássico do desenho animado e do cinema. Mesmo depois de anos de animações incríveis da Pixar e outros diversos clássicos, ainda é um dos melhores roteiros do gênero. Não é de graça mesmo. Bebe de uma fonte riquíssima. Afinal, sua inspiração é Shakespeare, mais especificamente Hamlet. E, por ser Shakespeare e especialmente Hamlet, há uma série de lições políticas ali a se tirar.
Se o vilão da história, Scar, fosse um político da vida real, era bem provável que ele tivesse tido na formulação da sua campanha o norte-americano Steve Bannon como mentor. Há ali o mesmo conjunto de ideias que Bannon levou nos Estados Unidos para Donald Trump e foram por aqui importadas por Jair Bolsonaro.
É a mesma tática de construir um cenário de terra arrasada. De polarização intensa. Um cenário do qual mais tarde o candidato apoiado saia como a confirmação concreta aos olhos de todos da saída, da solução, para o caos. O caminho da redenção.
Os casos de Trump e Bolsonaro deixam claro que a estratégia imaginada por Bannon é perfeita para levar à vitória candidatos que estão fora do poder. Ela é extremamente agressiva, e espanta que o eleitorado não tenha percebido nem nos EUA nem aqui que o caos é criado pelo próprio candidato. Que é ele mesmo quem está arrasando a terra que planeja conquistar. Mas, apesar do espanto, deu muito certo: ingenuamente, os eleitores não perceberam nem na Nação mais poderosa do mundo nem por aqui.
Nos dois casos, a estratégia de Bannon, porém, começou a falhar a partir do momento em que os governos iniciaram. Voltando às telas do Rei Leão, agora você está no poder, mas não nasce mais um pé de grama sequer no território que você conquistou. Você arrasou a terra, e agora?
O problema do modelo de Bannon é manter a tática de agressividade, polarização e terra arrasada dentro do governo. Ora, se alguém caiu no conto da terra arrasada antes, é claro que essa pessoa espera que o redentor agora comece a resolver os problemas. Se ele segue arrasando a terra e jogando no quanto pior melhor, uma hora a ficha cai e o eleitor se cansa.
A pandemia da covid-19 é uma imensa ficha do tamanho do planeta Terra que caiu sobre nós como se fosse um meteoro.
Nos Estados Unidos, parece ter ficado claro para a maioria das pessoas que aquela ideia propalada por Trump de que o coronavírus era um inimigo invisível criado por um laboratório na China era ridícula. E ainda mais ridícula quando se sugere que a vitória poderá vir de ignorar o vírus, não usando máscara e não tomando os devidos cuidados. Ou ainda mais a partir de soluções mágicas e equivocadas. Vale lembrar que foi Trump quem inventou a história da cloroquina. Quando chegou a propor que se injetasse desinfetante na veia, a coisa evoluiu do ridículo para o extremamente perigoso.
Diante do seu Scar alaranjado e da escalada da covid-19, os americanos defenestraram Trump e elegeram Joe Biden. O rápido avanço deste momento da vacinação por lá já reduziu em cerca de 40% a incidência dos casos mais graves. Fim da terra arrasada e retorno da sanidade.
Ontem, o governo defenestrou da Secretaria de Comunicação Fabio Wajngarten, um discípulo de Bannon. Na véspera, o presidente já aparecia em uma solenidade usando máscara, respeitando um maior distanciamento das demais autoridades. Acreditando agora na vacina como solução como se fosse um entusiasta seguidor de Albert Sabin. E, sem dúvida, sentindo na nuca o bafo de Luiz Inácio Lula da Silva, vindo de São Bernardo do Campo de onde dera entrevista de volta ao páreo.
Considerando o temperamento de Bolsonaro, é difícil saber até que ponto ele aceitará entrar num figurino paz e amor e por quanto tempo. Mas é inegável que a imensa ficha caiu por ali. Até quando ela vai completar a ligação, é ver agora.
No frigir dos ovos, o que todo político faz é cantar como Simba: “O que eu quero mais é ser rei!”. Hakuna Matata!