Presidente Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva após s reunião com. o presidente da Petrobras Robetto Castello Branco e ministro. presente os ministros José Levi, Tarciso de Freitas, Bento Albuquerque, Paulo Guedes. Lima/Poder360 05.0.2021
Publicado por: Rudolfo Lago | 29 jan 2021
Logo depois da Copa do Mundo de 1994, fiz uma reportagem no jornal O Globo, onde então trabalhava, contando que o governo Fernando Henrique Cardoso comprara um lote de camisetas da seleção brasileira tricampeã para dar de presente a autoridades em visitas oficiais. Ocorre que o preço unitário de cada camiseta – que já é cara em qualquer loja esportiva – saía para o governo por mais que o dobro.
Fomos atrás e descobrimos que a empresa que fornecia a camiseta ficava numa sala mequetrefe no subsolo de um endereço comercial na Asa Norte. Ou seja, passado todo esse tempo, o Brasil foi campeão do mundo mais uma vez, o Brasil teve outros três presidentes da República. Muita gente fez promessas de acabar com a mamata e a corrupção. Mas, pelo visto, só o que mudou mesmo foi a falta de educação. Hoje, o presidente reage com palavrões, que são recebidos por uma plateia bovina ao som de “Mito! Mito!”
A história publicada na edição de ontem do Jornal de Brasília é incrivelmente parecida. Exceto pelo fato de que hoje a saleta mequetrefe não forneceu ao governo somente camisetas da seleção. Entregou uma quantidade impressionante e variada de produtos que vai desde ar-condicionado até coturnos e linguiças, passando pelas já famigeradas latas de leite condensado.
Na verdade, é uma prática comum. Há um gestor que costuma dizer que a desgraça da burocracia brasileira é confundir necessidade de transparência com necessidade de complicação. Nossa lei de licitações é um cipoal de regras e dificuldades, sob o pretexto de aumentar o controle. Não aumenta controle nenhum – é só lembrar que os desvios ocorridos nos processos da Petrobras na Lava Jato foram todos a partir de licitações. E a complicação faz surgir esses intermediários.
As empresas que poderiam fornecer os produtos diretamente fogem dos processos licitatórios. E especialistas no jogo – em boa parte das vezes, ex-funcionários públicos, muitos ex-militares, ou seus familiares, que durante anos fizeram as compras para o governo e, assim, conhecem os meandros – abrem portinholas escondidas com um sofá, uma mesa e um telefone. E se tornam especialistas em vender tudo porque, na verdade, não são especialistas em vender nada.
Como diz o diretor executivo da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, é como um milionário jogo de adedonha. Se alguém diz “avião”, o sujeito aparece para vender. Se diz “zinco”, ele aparece também. A empresa entra em qualquer licitação para a compra do que quer que seja, ganha e depois corre atrás de quem venda aquilo. Na melhor das hipóteses, o processo coloca mais um intermediário na transação. E faz com que o produto fique mais caro para o governo. O superfaturamento vira, assim, a regra.
No caso do atual governo, é a frustração de quem acreditou que ele se elegera para mudar tudo. Para “acabar com a mamata”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, entrara com o discurso de que tornaria o Estado mais leve, mais atraente para investimentos. Reportagem da edição brasileira da Deutsche Welle aponta que os investimentos externos no ano passado se reduziram à metade no Brasil. É verdade, a pandemia reduziu investimentos no mundo todo. Mas em nenhum país o percentual de queda teria sido assim tão grande.
A repetição das mesmas práticas em processos licitatórios é mais um sinal de que nada mudou. Como é também um sinal o provável retorno do Centrão ao poder, diante da provável vitória na segunda-feira do deputado Arthur Lira para o comando da Câmara dos Deputados. À custa do mesmo jogo prometido de liberação de cargos e de verbas.
Há, porém, um presidente desbocado, cujos discursos são impróprios para menores de 18 anos. Era somente isso mesmo o que se esperava da defesa de Deus, da pátria e da família prometida em seus discursos? A mudança desejada era essa?