Publicado por: Rudolfo Lago | 1 jan 2021
No início da semana, o presidente Jair Bolsonaro, depois de participar de um jogo de futebol beneficente em Santos (SP), fez a sua avaliação sobre sua atuação no combate à covid-19. Disse que não cometeu erro nenhum: “Zero”.
Bem, “zero” parece ser mesmo o melhor conceito que Bolsonaro poderia se dar quanto à sua atuação para conter a pandemia. Como é natural que o presidente venha a ser condescendente consigo mesmo, ele não poderia vir a reconhecer ali seus próprios erros. Como também não tem, do contrário, acertos para mostrar, o melhor que se pode conceder é nada. Zero mesmo.
Ontem, enquanto Bolsonaro provocava aglomerações dando autógrafos no Guarujá (SP), o mais novo capítulo da sucessão de vexames vinha a público. Faltando somente alguns dias para terminar esse custoso ano de 2020, o Ministério da Saúde afinal realizou o pregão para comprar os 300 milhões de seringas necessárias para vacinar as pessoas. O leilão foi um retumbante fracasso. O governo conseguiu adquirir somente 7,9 milhões de seringas, o que daria para imunizar o Distrito Federal e mais um pouquinho. Menos de 3% do necessário. Aos 45 minutos do segundo tempo, o general Eduardo Pazuello, que faz as vezes de ministro da Saúde, suposto especialista em logística, calculou mal o valor necessário e a unidade ficou com um valor 70% menor que o custo mínimo. Ou seja: praticamente ninguém, por óbvio, entrou para concorrer.
Fala-se agora que Bolsonaro espera somente o início da vacinação para demitir Pazuello e trocá-lo no ministério pelo atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Se o prazo dado a Pazuello é o início da vacinação, no meio de tamanha confusão e incerteza, isso pode acabar virando uma garantia de permanência. Afinal, não temos a menor ideia de quando vamos começar a vacinar. Não sabemos com que vacina. E, pior, não sabemos nem com que seringa.
Se demitido, Pazuello será o terceiro ministro da Saúde afastado no meio da maior crise sanitária que o planeta já viveu desde a Gripe Espanhola no início do século passado. Não há registro no mundo de outro país que tenha cometido o desatino de trocar seu comando justamente na área da saúde numa hora dessas. Nós trocamos duas vezes e talvez troquemos a terceira.
Talvez aí já coubesse a Bolsonaro as primeiras admissões de erro. Se precisou trocar ministro, no mínimo ele teria os escolhido mal. Se precisou trocar, teria antes cometido um erro. A conta já sairia do zero. O primeiro ministro, Luiz Henrique Mandetta, saiu por preconizar as regras de isolamento que todas as autoridades de saúde preconizam. O segundo, Nelson Teich, por não querer avalizar o uso da cloroquina, cuja eficácia não foi comprovada, no tratamento. A não ser que o mundo inteiro esteja errado e a lógica do presidente venha a ser reconhecida no futuro, certos pareciam estar os ministros.
Pazuello iria fazer um acordo com o Instituto Butantan para adquirir a Coronavac. Foi desautorizado por Bolsonaro. Agora, corre atrás de vacina, qualquer vacina. E Bolsonaro parece estar irritado com ele. Mas já podíamos ter garantida a “vacina chinesa”… Se não a temos, não é bem culpa de Pazuello.
A cada avanço de outros países na imunização da sua população e a cada atraso nosso, nós iremos ficar mais para trás. Bolsonaro e o grupo mais fiel e ideológico que o segue parece ter problemas no reconhecimento de cenários globais. Chegaram a inventar um certo “globalismo” para dizer que tais cenários eram um esforço da esquerda para diminuir a força das nações. Na verdade, são efeitos de um mundo cada vez mais globalizado, ao alcance de um aparelho de celular. É natural que seja assim.
Mas, por mais que torça o nariz para fatores que têm influência planetária, assim é a covid-19. O vírus espalhou-se pelo mundo inteiro com velocidade impressionante. Já contaminou mais de 80 milhões de pessoas. Já matou quase 2 milhões. Quando começar a parar de matar, porém, isso não se dará na mesma velocidade planetária. No caso, quem tem a vantagem é o vírus, que é altamente contagioso. Assim, estarão na frente os países que primeiro imunizarem suas populações. Ficarão para trás os que patinarem nessa largada.
Se não quiser impor sanções a quem não se vacinar no Brasil, Bolsonaro pode esperar que o mundo aplicará essas sanções. Se o Brasil oferecer risco de contaminação, brasileiros não viajarão para o exterior. Produtos brasileiros não serão comprados. À guisa de defender a necessidade de recuperação econômica, o caminho escolhido por Bolsonaro na verdade pode levar o Brasil à bancarrota. Pode, ao contrário, tornar muito mais difícil o caminho da recuperação.
São os riscos do jogo de soma zero que Bolsonaro parece preferir. Por enquanto, as pesquisas mostram que sua popularidade resiste a esse jogo. Mas suas consequências para 2021 podem colocar na conta uns sinais de divisão e tornar o zero um número negativo. Se alguém vier a ser capaz de aglutinar mais tarde as insatisfações, a soma está feita…