William Shakespeare diz, em Hamlet, que “há mais coisas entre o céu e a Terra do que pode supor a vã filosofia”. O famoso bardo inglês bem poderia estar se referindo às coisas da política. E há mesmo um bocado de política nas suas peças. O fato é que, geralmente, em política, sempre há um bocado de coisas entre o céu e a Terra do que aquelas que possam supor nossa vã filosofia. Razões e causas ocultas em diversas camadas que uma olhada mais superficial e rasteira muitas vezes escondem.
Isso acontece na disputa de poder pelo comando do Congresso, que hoje tem paralisado completamente as atividades no Congresso. O olhar mais superficial e rasteiro aponta que, de um lado, os atuais presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), querem modificar as regras para se reelegerem nos seus cargos. E, de outro lado, o Centrão deseja barrar essa possibilidade para permitir que o deputado Arthur Lira (PP-AL) assuma o comando da Câmara. E o governo Jair Bolsonaro trabalha em favor dessa segunda hipótese.
A decisão que vai tomar hoje o Supremo Tribunal Federal (STF) moverá significativamente as peças do jogo. Se for confirmada a tendência de que o STF dirá que o tema é assunto interno do Congresso, permitindo que o Legislativo faça alterações nas suas regras para permitir as reeleições, o jogo virá totalmente para os tapetes azuis e verdes do Senado e da Câmara. Mas não necessariamente significará que Maia e Alcolumbre conquistaram as suas reeleições.
Há uma série de coisas não ditas no jogo que vem sendo jogado agora, especialmente na Câmara. Se Alcolumbre deixa clara sua pretensão de se reeleger, o mesmo não faz Rodrigo Maia. Ele afirma que não é candidato à reeleição. Muita gente, especialmente no Palácio do Planalto, não acredita. Mas talvez Rodrigo Maia não seja mesmo.
Há uma parcela do Congresso que defende que, modificadas as regas, elas venham a se aproximar do que acontece nas eleições para o Executivo: ficaria estabelecida a possibilidade de apenas uma reeleição. Nesse caso, Maia já está no seu segundo mandato. Alcolumbre, não. Maia não se reelegeria. Alcolumbre, sim. E Maia partiria para seu plano B: apoiar o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), para o cargo.
Mas há quem aposte que Baleia não é o plano B de Maia. É o seu plano A. Nessa hipótese, ficaria fortalecida a tríade entre o DEM de Maia, o MDB de Baleia e o PSDB. Tríade que se formaria em torno da candidatura de João Doria à Presidência da República. Além disso, segundo alguns, Maia raciocina que sua condução é vista por muitos como fortemente personalista. E teme que muitos possam acabar, por isso, lhe dando uma rasteira na votação. Se ele conduz a vitória de um aliado, quebra a ideia de personalismo, mas fortalece o seu jogo da mesma forma.
Mas aí entra um outro fator escondido nas entranhas do Congresso entre o céu e a Terra. No pragmático mundo dos partidos políticos, ainda tem muita gente que duvida da viabilidade eleitoral de João Doria em 2022. Acha que ele, como chegou recentemente a dizer o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda precisa nacionalizar-se. Essa turma, portanto, ainda hesita em agregar agora a disputa da Câmara a um projeto de poder que pode acabar não dando certo.
E vai, então, para um Plano C. Que seria o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Embora seja do mesmo partido de Arthur Lira, Aguinaldo foi ministro das Cidades da ex-presidente Dilma Rousseff. Essa situação faz com que o PT tenda por ele. Fazendo um outro raciocínio ainda. O candidato oficial do PP é Lira. Portanto, Aguinaldo venceria como um candidato independente. Quebraria, na hipótese da sua vitória, tanto o poder do Centrão quanto o poder do Planalto, quanto também o da turma do DEM de Maia e Alcolumbre.
Quanto ao governo Bolsonaro, entrar nesse jogo pantanoso sem habilidade pode acabar virando um desastre. Há dois exemplos no passado recente que o Planalto deveria observar. Certa vez, o PT, então no governo, deixou que dois candidatos do partido disputassem: Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e Virgílio Guimarães (MG). Os dois se engalfinharam e o eleito acabou sendo o baixo-clero Severino Cavalcanti (PP-PE). Em outra, o mesmo PT resolveu jogar suas fichar em Arlindo Chinaglia, contra o PMDB, partido vice-presidente, Michel Temer. Chinaglia levou uma surra e o eleito foi Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O erro deu no impeachment de Dilma…