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JOGO JOGADO

Publicado por: Alexandre Jardim | 16 abr 2020

Nos meus primeiros anos como repórter em Brasília, no início dos anos de 1990 e dentro do Congresso Nacional, ouvi uma frase que me marcou e me acompanha até hoje quando analiso mais um cenário da política brasileira, que “o mais bobo aqui dentro é deputado federal”. No jogo da política o que não existe é bobo e quando você acha que algum é, abra o olho porque esse é ainda mais esperto que os demais e se faz de bobo para se dar bem. É um jogo pesado e até sujo, mas nele só jogam os melhores da categoria e só permanecem os que sabem as regras porque os que as desconhecem são colocados para fora de campo. Como somos “o país do futebol”, eu gosto muito dessa analogia e sempre comparo a política nacional, que acontece na Capital Federal, com os jogos da Série A do Brasileirão. A política estadual com a Série B e suas grandes promessas sempre tentando subir para a Primeira Divisão para se destacarem e gravarem seus nomes na história do Brasil. Já a política municipal comparo com a Série C, onde os craques estão sendo trabalhados para o jogo pesado de quem já subiu de categoria e disputa com aqueles profissionais que passaram pela estreita peneira de Brasília que separa os homens dos meninos. Não que isso seja uma regra porque já houve e, provavelmente, voltarão a existir casos de quem pula da Série C para a A, assim como de quem nem mesmo estava nas categorias de base ser galgado ao topo. Porém, eles são raros de acontecer mas como na Política e no Futebol as surpresas acontecem, quando menos se espera, precisamos sempre acompanhar.

No jogo da política nacional, ou Série A, os craques são convocados para compor o elenco da Seleção Brasileira por um técnico que tem quatro anos para vencer o campeonato. Se for campeão, ele consegue permanecer na próxima temporada de mais quatro anos. Se o time não estiver mostrando o desempenho desejado, o técnico pode ser trocado por quem paga para o campeonato existir. A diferença neste jogo é que o adversário – normalmente – faz parte do mesmo time que ele comanda. Na política, os técnicos são mais estáveis do que os jogadores e podem permanecer por até oito anos a frente do elenco. No caso dos jogadores, eles podem sair e nunca mais serem convocados. Por isso, eles aproveitam ao máximo o momento de boa exposição em campo enquanto vestem a camisa da Seleção Brasileira porque se perderem essa chance, podem não ter outra de brilharem no seleto time dos “Profissionais da Política”. Se no futebol, a máxima é “não mexer em time que está ganhando”. No jogo de Brasília, a máxima é não aparecer mais do que o técnico porque ele mexe e você é expulso do time. Porém, o jogador quando é habilidoso, ele vê que é melhor ser expulso enquanto está fazendo gol porque a torcida vai lembrar dele como o goleador da temporada e ele não será esquecido tão cedo. Jogador esperto sabe que o destaque na Série A, o fará ser lembrado para boas posições quando retornar aos campeonatos da sua região. 

Se o assunto até agora pareceu futebol, vamos ser mais diretos porque vou falar de política! Para tal, a queda de braço que envolveu o Presidente da República e o ex ministro da Saúde é um bom exemplo de como se desenvolve o jogo em Brasília porque aqui é “jogo jogado”. Essa expressão foi cunhada por Otacílio Gonçalves, ou Chapinha como era mais conhecido o técnico de futebol, para dizer que o resultado de um jogo já é sabido antes dele acontecer porque a superioridade de um time é evidente diante do adversário. A expressão é muito usada em Brasília, mas nem sempre é tão precisa como também acontece nos jogos de futebol. A certeza do resultado vem quando se sabe que só tem craques em campo e que a disputa é pesada, mas o jogo está jogado. Só entende quem é do ramo porque quem não é, nem ao menos consegue entrar em campo. Futebol à parte, vamos retomar a análise política. O ex ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mostrou que sabe jogar bem enquanto o Presidente Jair Bolsonaro também demonstrou com a decisão de trocar o ministro que em time que ele comanda, o jogador só fica enquanto a ele interessa. No caso do ex ministro, a saída do time nacional o direciona para a disputa do campeonato regional. Se você não entendeu, não tem problema porque vou explicar qual foi a artimanha deste jogador.

Na política regional, e neste caso mais especificamente na política sul mato-grossense, foi aberto um espaço para que Luiz Henrique Mandetta seja o principal jogador com o objetivo de virar técnico e comandar o time local no campeonato municipal marcado para começar em janeiro de 2021. O atual prefeito da capital de Mato Grosso do Sul (Campo Grande), Marquinhos Trad, vem de uma oligarquia que comanda o estado e a capital nas últimas décadas e que tem a intenção de permanecer por mais quatro anos. A novidade é que surgiu um jogador, que na região parecia estar fadado a encerrar a carreira na Seleção Brasileira, mas que decidiu aproveitar o momento e sair diante das circunstâncias impostas pelo técnico em Brasília. Porém, esse jogador não saiu só do time. Ele decidiu que irá mudar de patamar no ramo em que atua e passar de jogador à técnico. A missão não é simples já que terá de ganhar do time mais tradicional do estado: o Clã dos Trad. Podíamos até sair da analogia do Futebol e ir direto para outro jogo inspirado na Política, o Xadrez. Nele, as jogadas são pensadas com antecedência em movimentos bem calculados e que fazem do jogador – antes de vencer – um habilidoso estrategista como se mostrou o ex ministro da Saúde do Brasil. 

Só que no jogo da política, que se desenrola em Brasília e ainda está longe de acabar, não tem só técnico e artilheiros. Há também outros jogadores em diferentes posições que desejam ser conhecidos para subirem no conceito do técnico para terem mais visibilidade do público, que nesse caso não se chama torcedor e sim eleitor. Há ainda outros técnicos de times da Segunda Divisão, que almejam ser o próximo técnico da “Seleção Brasileira de Políticos Profissionais”, atualmente, sob o comando de Jair Messias Bolsonaro. Enquanto isso, os jogadores que estão em campo armam jogadas para crescerem e ampliarem suas posições no time como é o caso do ministro Onyx Lorenzoni, ex Chefe da Casa Civil e atual da Cidadania, que articulou para entregar a vaga de Mandetta a um de seus aliados. O indicado por Onyx era o ex ocupante da Pasta que ele comanda, o também gaúcho Osmar Terra. Essa articulação não aconteceu por acaso, aliás, “na política nada acontece por acaso. Essa é uma outra expressão muito usada nos corredores do poder, nos quais os conterrâneos Osmar Terra e Onyx Lorenzoni viram a possibilidade de deterem os comandos das duas pastas federais com condições de fazer política social. Esse sim, o plano perfeito para quem pretende continuar a disputar campeonatos em todas as categorias. Como ocorreu com a oportunidade aberta ao Mandetta, eles também desejam ser técnicos em sua terra natal: Rio Grande do Sul. Para tal, trabalharam numa sintonia que lembrou Pelé e Garrincha. Porém, esse movimento dos Pampas não deu certo por conta de outra frase famosa do futebol e dita por Garrincha: “Já combinou com os russos?”. Isso porque o Presidente da República tinha dado fortes sinais de que não queria intromissões e mostrou isso com a escolha de um novo ministro que só ele conhece. Bolsonaro desejava um nome para o Ministério da Saúde, absolutamente, vinculado e subordinado a ele e sem dívidas para com outros nomes do governo federal ou da política nacional. Se o jogo é jogado, lembro também que ele “só termina quando acaba” e esse não chegou nem na prorrogação.

Se o jogo ferveu na capital da República para a vaga na Saúde, em outros pontos do campo, há outros jogadores com olhares para a Presidência da República. Entre eles, o deputado Rodrigo Maia e o prefeito de Salvador ACM Neto. Coincidentemente – ou não – os dois são do mesmo time do ex ministro Mandetta e do atual ministro Onyx, o Partido Democratas (DEM). Com esse cenário descortinado, fica mais fácil entender como se dá o jogo da política em Brasília e como cada jogador expressa o que mais lhe interessa diante do próximo campeonato a ser disputado. O DEM, que sempre foi um coadjuvante nos governos pós abertura democrática (1985), quer ser protagonista a partir de 2022. Nesse aspecto, pelo menos para os jogadores do Democratas, tudo indica que o jogo está jogado já que entre os seus há nomes de destaque também entre os cartolas da política como os presidentes da Câmara – citado acima – e do Senado, Davi Alcolumbre. No DEM há ainda um outro técnico regional, que dirige o elenco de seu estado mas que também deseja o cargo mais importante do Brasil, o governador de Goiás Ronaldo Caiado. Se você ainda acha que não é uma jogada ensaiada entre jogadores de um mesmo time, levo até você a notícia de que o DEM pediu a abertura de uma CPI do Coronavírus na Câmara dos Deputados. Se agora parecem estar todos remando na mesma direção, mais a frente, a briga entre os democratas será grande. Em um artigo repleto de expressões, lembro de uma outra que define bem este momento: “é muito cacique pra pouco índio”. Com tantos movimentos partindo de jogadores de um mesmo time (DEM) é algo pra se observar mais de perto. Eu o convido para continuarmos acompanhando os movimentos deste jogo interminável da busca incessante pelo poder. Nele, jogadores e técnicos são substituídos mas o jogo sempre continua cheio de emoções numa disputa sempre acirrada e dura pra quem deseja jogar. Afinal de contas, esse não é jogo pra amadores porque a política é um jogo pra profissional!

Alexandre Jardim