A COVID-19 alterou hábitos e costumes das populações por quase todos os cantos do planeta. Não me refiro somente aos mais complexos como trabalho e estudo com a necessidade de isolamento coletivo, mas falo até dos mais simples como o ato de cumprimentar as pessoas na rua. Se tem uma atitude que admiro nas pessoas é o ato de se cumprimentarem quando se cruzam nos lugares públicos mesmo sem se conhecerem. Acho civilizado e educado desejar um bom dia, uma boa tarde ou boa noite, balançar a cabeça ou até dar um simples abano de mão. Esses pequenos gestos me fazem acreditar que saímos da época de barbárie para um estágio mais avançado da convivência humana. Mesmo que vivamos num mundo altamente competitivo com guerras e ambições desvairadas quando vejo as pessoas se cumprimentando nas ruas, penso que ainda há esperança para a humanidade. Talvez seja até ingênuo assim pensar, mas a ingenuidade é também uma outra característica que me faz crer que há esperança nessa dita raça humana… cada vez mais desumana.
A essa altura você deve estar se perguntando aonde quero chegar e lhe convido a continuar para descobrir. Talvez, você seja também mais um que tenha perdido, na correria e estresse do dia a dia, a sensibilidade de como estes pequenos atos podem fazer bem a gente. Por serem tão simples é que fazem muita diferença, principalmente, nos dias corridos e tumultuados das grandes cidades. Confesso que me causa uma boa sensação quando num dia em que acordei triste ou mesmo depois que algo me chateou no trabalho, despretensiosamente, uma pessoa ao cruzar o meu caminho sorri com um simples “Bom dia” ou somente balança a cabeça afirmativamente num gesto de cordialidade. Pois bem, se esses gestos não mudam seu humor, sugiro parar por aqui porque vou explicar o que me fez escrever sobre esse tema enquanto meu hábito é o de escrever sobre política e seus reflexos para o país. Foi como disse antes… a COVID-19 alterou hábitos e costumes mas também mudou percepções. Eu nunca tinha percebido como um gesto tão simples era tão importante para mim. Quando algo deixa de existir é que se pode ver a falta que faz e, nesse caso, revelou duramente a realidade em que vivemos nestes sombrios tempos do Coronavírus.
Antes, me permita, eu preciso contar de onde vem essa mania de cumprimentar. Sou mineiro, nascido em Belo Horizonte, e nos anos da minha infância/adolescência aprendi como cumprimentar pessoas, naquela cidade, deixava meu dia melhor e ainda demonstrava uma cordialidade marcante na época. Sempre que eu saía acompanhando com meu pai, do seu escritório de Advocacia no centro da capital mineira até a casa do meu avô – e seu sogro – a poucos quarteirões de lá, os cumprimentos eram constantes. Pelas ruas, eu perdia a conta e ainda achava que o meu pai era o sujeito mais conhecido do lugar. Gestos, quando repetidos, geram hábitos que carregamos por toda vida. Parece nascer raiz, que cresce dentro de nós, e nunca mais nos deixa. Pois bem, então não será difícil de imaginar que dos passeios pelo centro de BH, eu levei o hábito de cumprimentar pra onde fui morar. Anos depois, já no Rio de Janeiro, esse hábito familiar virou uma constante e por onde eu andava, fazia questão de dar “bons dias” e cumprimentar as pessoas. Até pouco tempo, eu ainda tinha esse hábito… falei que AINDA TINHA. Mas antes de chegar ao “Hoje”, preciso lembrar mais do “Ontem”.
No Rio, como eu trabalhava no centro da cidade e gostava de ir parte a pé e parte de metrô, exercitava meus cumprimentos por todo caminho. Não esquecia um só dos transeuntes. Antes de sair para trabalhar, quando fazia a minha caminhada ao redor da Lagoa Rodrigo de Freitas, eu cumprimentava dos vendedores de coco e de pipoca aos andarilhos do perímetro Botafogo -Jardim Botânico– Gávea- Leblon- Ipanema. Afinal, os sete quilômetros e meio – quase todos os dias – viraram um duplo exercício já que não faltava a quem cumprimentar durante minhas caminhadas a passos sempre largos para poder suar e perder alguns quilos. Confesso que voltava para o meu apartamento muito suado mas também muito feliz. Na varanda, eu contemplava a beleza do Rio e, apesar de sozinho porque meus filhos tinham se mudado para Brasília depois que me divorciei da mãe deles, mesmo assim eu não me sentia só. Eu tinha certeza que viver numa cidade cheia de perigos como é o Rio de Janeiro, quando todos se cumprimentavam, dava a impressão que eu morava num lugar calmo e acolhedor. Era a sensação de coletividade que me dava essa alegria. Sentia fazer parte de uma humanidade que valia a pena, mas a COVID-19 acabou com isso!
Para situar no tempo e espaço, como já não conseguia mais viver longe dos filhos apesar de loucamente apaixonado pelo Rio, decidi me mudar para perto deles. Fui viver, novamente (novamente sim, mas essa é uma outra estória que guardarei para outra vez), em Brasília: a Capital do Brasil. Assim que me mudei, decidi voltar a caminhar. Tracei uma rota perto do novo apartamento e comecei a cumprimentar as pessoas que cruzavam o meu caminho. Não sei se porque, no Distrito Federal, as pessoas nasceram com rodas no lugar das pernas e até para ir a padaria na quadra da frente de onde moram elas precisam do carro, eu achei que não era comum se cumprimentarem quando pelas ruas se cruzavam a pé. Afinal, pensei que tinham desenvolvido o hábito de quem só dirige e não sai dando “bons dias” a todo carro que para ao lado. Estava convencido de que “o meu hábito”, aprendido nas alterosas e desenvolvido aos pés do Redentor, estava fadado ao esquecimento. Porém, capricorniano e teimoso que sou, pensei: vou cumprimentar mesmo que me olhem como se fosse um ET ou estranhem que pessoas possam ser gentis e se cumprimentarem quando se cruzam nas ruas. No máximo, imaginei, vão me tachar de maluco mas diante de coisas muito piores que já ouvi, ser maluco não era um preço tão alto a ser pago e fui adiante com meu objetivo.
Dias sim, dias não, mas sempre que dava eu saía pelos belos jardins do bairro – que em Brasília se chama setor – e no meu caminhar a passos largos cumprimentava a todos indistintamente. Eram ‘bons dias” sem ao menos um sorriso de retribuição, mas eu continuava fiel ao meu compromisso. Passados alguns meses, nos mesmos locais e horários semelhantes, reparei que meus cumprimentos começavam a ser respondidos. Inicialmente, eles eram tímidos e mal se podia ouvir o BOM DIA, mas já se podia ver cabeças balançando e mãos acenando. Surgia a certeza de que como aconteceu comigo naqueles longínquos anos de BH, que gestos repetidos geram hábitos nas pessoas e que, em Brasília, a repetição faria a mudança acontecer. Isso ficava mais claro, a cada manhã, pra mim. Os dias passaram a ser melhores e aquele sentimento de comunidade havia voltado a existir na minha vida. Foi, então, que veio uma outra e terrível mudança: a COVID-19 apareceu no mundo… e com ela desapareceu o cumprimento matinal.
As mudanças não pararam por aí. Agora, se eu quero caminhar pela manhã, só para sair de casa é necessário vestir trajes especiais: máscara, luvas e um vidrinho de álcool gel no bolso. O tênis de exercícios fica do lado de fora do apartamento e só pode ser calçado se me equilibro como um saci para não contaminar a parte de dentro da casa. Se acha que sou só eu, está enganado. As poucas pessoas que saem, se vestem iguais ou até com mais rigor. Já não se cumprimentam e nem se cruzam mais porque ao se verem, atravessam para o meio da rua e preferem que um carro as atropele do que o tal do Coronavírus se instale. Casais com suas máscaras ao longe diminuem o passo para que você não se aproxime deles. Cachorros despreocupados, em passeios matinais e aliviados de seus apertos, contrastam com a preocupação de seus donos mascarados e enluvados a espera de que você passe bem longe deles. Os corredores esquecem os tempos – e a necessidade de serem cada vez menores para a próxima maratona – e preferem perder ritmo de corrida indo pelos gramados do que terem o risco de contágio ao cruzarem contigo pela pista. Sem dúvida são novos tempos e a mudança foi imensa. Logo eu que só desejava trazer o hábito das pessoas se cumprimentarem para Brasília, quando consegui, o vi desparecer. Eu que usava a necessidade de cuidar do físico para exercitar esse velho hábito de cumprimentar, fiquei sem meus “bons dias”.
Porém, se você acha que desisto fácil é porque se esqueceu da minha teimosia. Se antes cumprimentava sem receber resposta, hoje cumprimento com os olhos e sem que consigam me ouvir mas balanço a cabeça e sorrio por dentro de uma máscara com a certeza de que tudo voltará ao normal. Não tenho o medo de que as pessoas deixem de se cumprimentar porque acredito, como aliás já disse também acima, que gestos repetidos geram hábitos que fazem nascer raízes e nelas fazem brotar sentimentos que carregamos por toda vida. Eu me despeço mascarado e de luvas mas com a certeza de que, em breve, todos nós teremos muitos novos “bons dias” não só em Brasília mas em todos os cantos do mundo!