Publicado por: Rudolfo Lago | 20 nov 2020
Ao receber a notícia de que o PT resolvera fechar apoio a Eduardo Paes na disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) reagiu reproduzindo uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010: “Precisamos extirpar o DEM da política brasileira”. Na sequência a ela, alguém tratou de encontrar e postar uma foto do adversário de Paes, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), posando sorridente ao lado da ex-presidente Dilma Rousseff.
A sequência de postagens descrita acima resume um pouco os dilemas da direita bolsonarista após os resultados do primeiro turno das eleições municipais. A disputa no segundo turno do Rio de Janeiro não poderia ser uma disputa mais conservadora, uma disputa mais à direita. Mas a verdade é que, falando francamente, o bolsonarismo mais raiz não está claramente representado em nenhum dos dois lados. E esse é hoje o seu problema.
Certamente, nem Crivella nem o PT vão gostar muito hoje de lembrar. Mas a foto sorridente com Dilma está longe de ter sido mero encontro fortuito. O prefeito do Rio hoje apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro foi ministro da Pesca no governo Dilma Rousseff, entre 2012 e 2014. Quando Carla Zambelli saiu às ruas nas manifestações contra a corrupção na Copa das Confederações, que foram a semente do movimento que redundou na eleição de Bolsonaro, Crivella estava aboletado em uma cadeira de um gabinete amplo na Esplanada dos Ministérios.
É por isso que o esforço feito por Bolsonaro ou por seu ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, para tentar vender o resultado do último domingo como uma vitória do presidente por ter sido, na visão deles, uma “vitória da direita” é totalmente enganoso.
De fato, partidos como o DEM, o PSD ou mesmo o atual MDB e o PSDB alinhado ao governador de São Paulo, João Doria, orbitam um campo mais à direita do espectro político. Mas esse não é o mesmo campo de Bolsonaro. Como bem lembrou William Waack, que ocupa este espaço nas quintas-feiras, Bolsonaro surfou em 2018 em uma onda de desilusão com a política tradicional. Seu campo, o campo que ele explorou em 2018, e que é o campo pelo qual se elegeu também Carla Zambelli e outros, é o do discurso da “nova política”, da necessidade de renovação de práticas e discursos. E, nesse sentido, DEM, PSD, MDB, PSDB de Doria, Eduardo Paes ou mesmo Marcelo Crivella estão no campo oposto. Todos eles estão no campo da “velha política”, da política tradicional, amparada na busca do presidencialismo de coalizão, na busca pela formação de conchavos e consensos que garantam – à custa sabe-se lá do quê – a famosa “governabilidade”. E não é por outra razão que serão encontradas fotos tanto de Crivella quanto de Paes sorridentes ao lado dos ex-presidentes petistas.
O grande problema para a turma que chegou agora às salas refrigeradas da Esplanada dos Ministérios é que Bolsonaro, caso queira e seja capaz, pode refluir para o campo da velha política e cair no colo de um desses partidos e caciques tradicionais. No fundo, até virar presidente, foi também nesse campo que ele orbitou meio como satélite, vamos ser sinceros, como integrante do baixo clero.
Bolsonaro não chegou a esse jogo agora. Está na política desde 1988, quando se elegeu vereador pela primeira vez. Foi deputado federal por sete mandatos. Sem partido agora, já foi filiado a uma penca deles. E quando Crivella estava sentado na poltrona de um ministério, ele estava na base do mesmo governo na Câmara.
A essa altura, diversos dos partidos tradicionais no campo da direita tentam seduzir Bolsonaro. Afinal, se quiser disputar a reeleição, em algum partido ele terá que entrar, e o seu projeto de fundar uma legenda nova, o Aliança pelo Brasil, deu com os burros n’água. Fazem hoje o jogo de sedução o PTB de Roberto Jefferson, o PP do líder do governo, Ricardo Barros, e o Republicanos de Crivella. E, meio de longe por enquanto – mas por que não? – mesmo o antigo PSL do qual Bolsonaro saiu.
Se Bolsonaro se abrigar em uma das legendas tradicionais da política, afundando ainda mais no colo do Centrão, como ficarão os que chegaram agora dispostos a virar a política do avesso? Haverá espaço para essa turma em um governo comandado pelas práticas tradicionais do toma lá dá cá do nosso modo tupiniquim de construir coalizão? Há espaço nisso para Olavos, Salles, Araujos e Zambellis?
Há um outro aspecto que parece ter saído forte desse primeiro turno municipal. Diante da pandemia, o eleitor parece ter optado por portos mais seguros, por um tempo de maior tranquilidade, de maior previsibilidade, de menos surpresas, que assim pareçam mais capazes de nos conduzir nestes dias difíceis. O jogo da nova política proposto por Bolsonaro é um jogo de confronto, um jogo de surpresas, um jogo onde uma das estratégias é confundir o inimigo, muitas vezes com frases desencontradas, com falsas cabeças de ponte. Um jogo, portanto, que, ao confundir o adversário, pode muitas vezes confundir o aliado desavisado também. Quem só se preparou para o confronto, muitas vezes não é capaz de se conduzir em um tempo de paz e armistício. E, assim, incapaz da trégua, toca fogo no parquinho da direita….