Publicado por: Rudolfo Lago | 30 out 2020
A articulação que levou à eleição de Jair Bolsonaro como presidente da República acabou abrindo a caixa de Pandora da direita, um grupo que até então vivia quase escondido, tímido, sentindo-se derrotado desde o fim da ditadura militar. O que impressiona é a quantidade de divisões, grupos e posições extremadas que vem saindo de dentro dessa caixa de Pandora. Desde que ascenderam, fica claro que o lugar comum que se usava para a esquerda – de que não se une – vale também para a direita: ela também não se une. E, pelo visto, vale também para o centro.
A soma dessas desuniões, no momento, acaba beneficiando o presidente Jair Bolsonaro, uma vez que é ele que está no poder. Se esquerda e centro não conseguem se unir para encontrar um candidato que possa derrotar Bolsonaro em 2022, melhor, em tese, para ele. Mas, da mesma forma, o presidente precisa segurar os seus. E, principalmente, ele mesmo precisa refletir até onde vale a pena embarcar na pilha dos seus seguidores nas redes sociais agredindo a lógica ao falar de “vacina chinesa”, de “gripezinha” e fazer loas à cloroquina.
O grande problema em torno dos embates da direita é que eles estão paralisando o governo. Enquanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chama o ministro da Secretaria Geral, Luiz Eduardo Ramos, de “banana de pijama” e “maria fofoca” e afirma que alguém invadiu o seu Twitter para chamar o presidente da Câmara de “nhonho”, o governo nada consegue fazer andar no Congresso.
Internamente, há militares magoados de um lado. Liberais do ministro da Economia, Paulo Guedes, escanteados do outro. Olavistas vociferando da sua parte. A popularidade de Bolsonaro anda alta, mas o governo parado em volta dessa panela de pressão é, sem dúvida, um jogo perigoso.
Para quem está fora, pode até parecer absurdo imaginar, por exemplo, que a ministra da Mulher, Damares Alves, é considerada alguém à esquerda para os grupos mais radicais de direita do governo. Mas isso é verdade. Ela enfrenta um fortíssimo fogo amigo vindo especialmente das trincheiras comandadas pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, e seu irmão, Arthur. Eles reagem fortemente ao fato de, por exemplo, Damares ter em seu ministério uma Secretaria LGBT.
O problema é que todas essas brigas, as conhecidas e essas mais internas, podem acabar por comprometer os planos de reeleição de Bolsonaro. Há algumas semanas, o presidente esteve com Damares na Ilha de Marajó, para conhecer de perto o projeto que ali vem sendo tocado sob o comando dela. O projeto “Abrace o Marajó” é um laboratório do tipo de política social que Bolsonaro pretende adotar para pavimentar seu caminho para 2022.
Há ali uma mistura que se avalia no Planalto que pode funcionar. A força do impulso que o auxílio emergencial deu à economia e à popularidade do presidente deixaram claro que o Brasil ainda é imensamente desigual para andar sozinho como poderiam pensar os liberais mais empedernidos da equipe de Guedes. Precisa de políticas sociais. Ao mesmo tempo, a maior parte da população mais carente tem pensamentos e valores morais que se aproximam dos de Damares, pastora evangélica. É a soma dessas duas coisas que acontece no projeto da ilha de Marajó: política social com tempero conservador.
Nos 16 municípios da imensa ilha paraense estão sendo tocados hoje 110 ações dos diversos ministérios. Não é apenas na área de Damares. O Ministério das Comunicações, por exemplo, levou internet às comunidades. O de Minas e Energia, luz elétrica. Barcos ancoraram com agências da Caixa e da Previdência. Somam-se a isso ações específicas do ministério de Damares com o discurso moralista de defesa da família, contrário ao aborto, etc. Que acaba funcionando em comunidades onde o abuso sexual de menores é frequente.
O “Abrace o Marajó” é um laboratório cuja ideia é se ampliar agora para outras comunidades da Amazônia e pelo semiárido nordestino. Independentemente do fogo amigo vindo dos irmãos Weintraub, Bolsonaro está convencido de que esse é o caminho a seguir. E autorizou Damares a aprofundá-lo.
O problema é que tudo isso precisa de dinheiro. E, a essa altura, por causa das brigas internas e com o Congresso, o país não tem Orçamento aprovado para o ano que vem. Na verdade, faltando dois meses para o ano acabar, ainda nem começou a discutir isso, porque a Comissão Mista de Orçamento do Congresso nem chegou a ser instalada. Não tem meta fiscal definida, o que desautoriza as empresas que são parceiras de muitos projetos no Marajó, a traçar seus planos de investimento.
No meio da pandemia, o país onde ninguém se une corre risco grande de virar um grande caos…