Publicado por: Rudolfo Lago | 23 out 2020
O monitor XP Conatus, ferramenta da XP Investimentos que monitora as redes sociais, registrou que o volume de críticas ao presidente Jair Bolsonaro aumentou de 30% para 61% depois que ele resolveu dar o seu chilique dizendo que não comprará de jeito nenhum a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan por ela ser de origem chinesa e ter sido trazida para o Brasil sob os auspícios de seu adversário político, o governador de São Paulo, João Doria. E registrou que, em contrapartida, as críticas a Doria caíram no mesmo período de 55% para 33%.
Ou seja, toda vez que Bolsonaro embarca na máquina do tempo das redes sociais rumo à Idade Média onde vive a parte mais radical e obscurantista da sua base de apoio ele acaba perdendo.
A popularidade do presidente subiu nos últimos tempos baseada justamente na soma de um momento de menos radicalismo, de maior pragmatismo nas relações com as demais forças políticas e de utilização de ferramentas de promoção social com o auxílio emergencial.
Antes, tinha caído justamente quando o presidente deixou-se irradiar pela sua ala radical e empolgou-se com discursos que pareciam antidemocráticos. Assim, Bolsonaro pode perder muito se prosseguir nessa guerra da vacina que declarou contra Doria.
Ontem, a Rede Sustentabilidade já entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para obrigar o governo a adquirir a Coronavac. Era um caminho óbvio que o ataque de nervos político-eleitoral do presidente fosse parar na Justiça. E parece óbvio que a Justiça imponha, ao final, nesse caso, uma derrota a Bolsonaro que poderá lhe custar muito.
Principalmente porque os argumentos de Bolsonaro que tentam mascarar o fato de que a sua preocupação é meramente eleitoral, com a sombra que pode lhe fazer Doria se a vacina chinesa for o caminho da cura contra a covid-19, são absolutamente frágeis.
Não faz sentido argumentar que não quer transformar os brasileiros em cobaias. Eles não serão cobaias. A Coronavac ou qualquer outra vacina só será ministrada à população depois de feitos todos os testes que comprovem a sua eficácia. Como qualquer medicamento, somente depois de certificada pela Agência Nacional de Vigiância Sanitária (Anvisa).
Cobaias maiores são as pessoas que se tratam com cloroquina, medicamento, este sim, sem comprovação de eficácia. Mas o governo comprou 5 milhões de unidades de cloroquina da Fundação Oswaldo Cruz e gastou R$ 1,5 milhão para que o laboratório do Exército também fabricasse o remédio.
Não faz sentido dizer que não comprará a vacina porque sua origem é chinesa. Em primeiro lugar, isso significa desrespeitar uma instituição brasileira conceituada, que é o Instituto Butantan, que desenvolve a vacina no Brasil em parceria. Depois, significa desrespeitar o principal parceiro comercial brasileiro, goste disso Bolsonaro ou não. Hoje, goste Bolsonaro ou não, a China é a principal economia do mundo, e não mais os Estados Unidos. E brigar com a realidade nunca fica bem em um presidente da República.
Finalmente, não faz sentido dizer que não vai comprar a vacina porque é o presidente e essa é a sua decisão.
Nesse ponto, Bolsonaro parece não compreender como funciona uma democracia. Ele pode muito, mas não pode tudo.
Se a vacina chinesa tiver eficácia comprovada, ela terá de ser adquirida no interesse da sociedade. E Bolsonaro incorrerá em crime se ficar batendo seu pé.
Chama-se prevaricação o crime. É fazer ou deixar de fazer ato de ofício no interesse da sociedade em nome de algum interesse particular. Até agora, toda vez que Bolsonaro ensaiou cruzar a linha da democracia, algum outro poder se posicionou e o empurrou de volta para trás.
O Brasil deve rezar todos os dias para São Montesquieu e para o seu sistema de freios e contrapesos que mantém equilibrada a democracia.
Isso independe de gostar ou não da China, de acreditar ou não em vacina, de achar ou não que a Terra é plana…