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Os Dois Brasis

Publicado por: Alexandre Jardim | 31 mar 2020

Busquei entender o conceito da palavra mais ouvida nas últimas semanas: Pandemia. Descobri – conceitualmente – que é uma epidemia infecciosa que se espalha, rapidamente, entre a população do planeta. Logo depois, quis conhecer outro conceito de uma palavra – também muitas vezes – repetida nas últimas semanas: Histeria. Foi aí que descobri algo que me chamou atenção porque esse tipo de reação psicológica é – clinicamente – visto como um distúrbio nervoso que ocorre nas mulheres. Fui mais longe e busquei a origem da palavra “Histeria”. Descobri, que como “Pandemia”, ela também tem a sua origem no idioma grego e significa “útero”. Portanto, a tão propagada histeria seria uma crise de nervos. Foi, então, que pensei: o que tudo isso tem a ver com o Brasil? Li, refleti e descobri… é porque temos dois “brasis” nesse momento! 

Um é o “Brasil da Pandemia”, reconhecido por governadores, médicos e especialistas dos mais diversos gêneros como um lugar que vive seu momento mais grave com necessidade de restrições de todo tipo. No “Brasil da Pandemia”, as pessoas estão trancadas em suas casas, os estoques de comida estão nos limites da capacidade de despensas e geladeiras, as luvas e máscaras cirúrgicas são usadas como se médicos todos fossem, e recipientes de álcool gel estão disponíveis por toda casa, em entradas de condomínios e nos estabelecimentos comerciais como supermercados e farmácias. Aliás, vale frisar, estes são os únicos lugares frequentados pela população do “Brasil da Pandemia”. Nele, há um incômodo generalizado por quem insiste em desrespeitar as orientações da OMC (Organização Mundial da Saúde) para ir trabalhar. Nele também, o home office virou a nova onda com “skypes , tvs à cabo e ifoods”.

Mas há um outro e se chama “Brasil da Histeria”. Nele, governadores, médicos e especialistas são personagens que se ouvem falar mas que quase nunca são vistos. Porém, no “Brasil da Histeria” há um “desses caras de Brasília” que a população ouve, mas nem sempre segue porque ele dissemina que a disseminação não é problema, mas que se a histeria continuar não haverá solução e só confusão. Se ficou difícil entender, não estranhe! É porque no “Brasil da Histeria” é mesmo muito difícil entender o que é dito. Nesse “outro brasil”, o álcool gel é produto de luxo e só se vê na TV porque o que interessa não é se a mão está limpa, mas se tem algo para comer em casa. No “Brasil da Histeria”, se faltar ao serviço será demitido porque o condomínio do “Brasil da Pandemia” não pode ficar desprotegido e muito menos os jardins mal cuidados. No “Brasil da Histeria”, o “Brasil da Pandemia” é muito falado mas pouco conhecido porque o que conta no final do mês é se ainda vão ter emprego e salário. Esses dois “brasis” têm convivido harmonicamente, nas últimas semanas, mas o que chama atenção é como poderá ser o convívio entre eles … nas próximas semanas.

Acontece que o “Brasil da Pandemia” alertou tão fortemente sobre os riscos que corre, que o “Brasil da Histeria” decidiu seguir e está sendo fundido com ele. É exatamente nesse ponto que eu quero chegar! Quem mora no “Brasil da Histeria” passou a entender que precisa tomar os cuidados com a contaminação, mas nas condições possíveis e não da mesma forma como tem feito a população do “Brasil da Pandemia”. Isso porque quem mora nesse “outro brasil” – o da Pandemia – começou a se preocupar com a falta dos serviços básicos de conforto e comodidade e com o aumento da reclamação com relação aos preços nos supermercados. Ocorre que desde que a população do “Brasil da Histeria” compreendeu a importância de também se resguardar para não propagar o tão terrível Coronavírus, que trancou em casa a população do ‘Brasil da Pandemia”, alguns serviços e produtos – e até profissionais autônomos – passaram a faltar como o eletricista, o bombeiro hidráulico e o cabeleireiro. Com isso, o caminhoneiro que transportava a produção do campo para as cidades, decidiu também ficar em casa. A razão é que não tem restaurantes na estrada para se alimentar durante a viagem e nem Ceasa, abertos, para comprar a produção e distribuir nas cidades. Foi aí que o “Brasil da Pandemia” começou a reclamar e a entender que se o “Brasil da Histeria” ficar em casa também, não vai ter nem um dos dois “brasis”. Se o “Brasil da Histeria” não pode ficar em casa como o ‘Brasil da Pandemia”, significa que o “Brasil da Pandemia” terá de agir e mexer nos seus bolsos se não quiser ser contaminado pelo “Brasil da Histeria”. O problema é que ninguém quer que faltem serviços ou produtos nas gôndolas dos supermercados e nos espaços destinados à tinturas de cabelo nas farmácias, mas desde que não tenham que gastar reais a mais com isso.

Por outro lado, a fusão deles foi muito útil porque agora eles entendem que um está completamente ligado ao outro e que não dá para fazer a regra para apenas um dos “brasis” se o outro não tiver como continuar. Se por um lado, o Agronegócio está indo muito bem, no que poderíamos chamar de um terceiro país: o “Brasil do PIB”, com uma produção de grãos e carne nunca antes visto e que é escoada quase toda por trilhos para os portos para depois ser transportada em navios e vendida no exterior. Por outro lado, o produtor de hortaliças e frutas não consegue desovar a sua produção porque não tem onde vender. Os pequenos produtores de leite e ovos, grande parte do interior desse país, estão com a produção sendo jogada fora porque também não tem como vender. Quando eles conseguem, o custo disso transforma o produto em “ouro” para o consumidor final e quem sente é tanto o morador do ‘Brasil da Pandemia” como o do “Brasil da Histeria”. Afinal, pelo menos nisso, todos são iguais: precisam comprar alimentos para sobreviver. Enquanto no “Brasil da Pandemia”, os salários estão mantidos, no “Brasil da Histeria” só serão mantidos se o governo bancar – integralmente – a Folha de Pagamento. Nas empresas comerciais, com lojas espalhadas por todo Brasil, os donos já anunciam que se o governo não pagar 100% dos salários não há como manter os empregados até o final de abril. Para os lojistas, o caminho é manter o vínculo profissional com as empresas, mas o custo da Folha de Pagamento ficaria toda ela transferida para ser paga pelo Seguro Desemprego. 

Será que nestes dois “brasis” que o Brasil de Verdade se revelará? Me pergunto como será quando os interesses de um desses “brasis” colidir – frontalmente – com os interesses desse “outro brasil”… Acho que será a hora em que o bicho vai pegar! Nesse momento, aquele personagem que parte do “Brasil da Pandemia” queria esquecer, se fará ser lembrado com o discurso de um antigo desenho animado do final dos Anos 70, que soava incessantemente assim: “Eu te disse, mas eu te disse, eu te disse!!!” Era um desenho de uma gangue de motocicletas com vida própria, que passava na TV e na qual o caçula da turma sempre alertava quando o problema chegava – irritantemente – que ele tinha avisado antes. Ao contrário daquele inocente personagem infantil, o que me fez relembrar dele não tem nada de infantil ou se parece com alguém bobo e desconectado do momento atual. Ele tem é parecido ser mais sabido do que os que a ele tem atacado. Talvez, ele também assistisse aquele desenho de TV. Se eu estiver certo, mais a frente, ele irá dizer: Eu te disse. Mas eu te disse! Eu te disse!!! Enquanto isso, os dois “brasis” chocados não poderão dizer como o líder da gangue de motos falantes, acho que seu nome era Chapa, dizia cheio de irritação… “Já ouvi! Caalaaaado!!!” 

Alexandre Jardim