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Prudência e caldo de galinha…

Publicado por: Alexandre Jardim | 24 mar 2020

Em tempos de Coronavírus, quando netos e avós estão afastados para não se contaminarem, eu que não tenho mais o privilégio de encontrar os meus por já terem partido deste mundo, lembro com afeto da frase que minha avó repetia para mim: “Prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. Essa lembrança surgiu em tempos de pandemia por tantas notícias que mostram o isolamento dos idosos, mas também por tantas outras que mostram uma mudança visível no comportamento do Presidente Jair Bolsonaro. As mudanças foram perceptíveis nestes dias e contrastaram com as semanas anteriores, quando gestos e palavras do Presidente da República eram diferentes do que se mostraram na última semana com uma visível alteração de rumo. Vou explicar…

Vamos lembrar de alguns fatos noticiados dias atrás. Houve por parte do PR aquela saída do Alvorada para se juntar à multidão de apoiadores do Governo, na rampa do Planalto, enquanto o ministro da Saúde pedia que todos ficassem em casa em um esforço aparentemente solitário diante das atitudes do Chefe da Nação. Depois, o próprio Presidente Bolsonaro minimizou a pandemia dizendo que ela estava sendo “superdimensionada” e atacou governadores por estarem tomando medidas, em seus estados, para conter a disseminação da doença. Para piorar o clima, que naquele momento já levara boa parte da população a se trancar em suas casas para evitar à contaminação, o deputado Eduardo Bolsonaro – filho do PR – decidiu atacar a China acusando aquele país de ser o responsável pela crise econômica gerada com a pandemia como se fosse um “orquestrado plano” para que os chineses “faturassem” com a desgraça do planeta. Por último, como se já não bastassem tamanhos desatinos, o ministro de Relações Exteriores referendou os ataques do deputado em um comunicado oficial da Chancelaria do Brasil

A sucessão de ações dissonantes fez com que a população começasse a se expressar contrariamente às atitudes do Presidente Jair Bolsonaro diante do esforço coletivo de barrar o vírus no Brasil. Em um ambiente que – até então – o PR ia muito bem, que navegava como se estivesse em Mar de Almirante ou que voava como em Céu de Brigadeiro, as postagens a favor nas redes sociais foram substituídas por críticas. Foi aí que as coisas também começaram a mudar no centro do poder. Protestos como os que antecederam à queda de Dilma Rousseff da Presidência da República – os panelaços – voltaram com força total. Eles ressurgiram em várias cidades brasileiras como uma luz de alerta que fez soar as sirenes entre a entourage palaciana. Afinal, a Constituição Brasileira traz em seu Artigo 1o., Parágrafo único, que “todo poder emana do povo”. Como um grito, o barulho vindo das panelas reverberadas nas redes sociais fez ecoar a sirene até nos mais surdos ouvidos do Planalto Central do Brasil. A prova final, até para quem duvidava que o curso do vento tinha mudado, foi a queda da popularidade do PR com relação à aprovação do governo nas últimas pesquisas de opinião pública divulgadas. 

Ao ver a mudança do cenário, lembrei de outra frase das conversas com os avós:”Político bom conhece o cheiro das ruas”. Nesse caso, a lembrança vem do meu avô, amigo pessoal do Presidente JK e genro de um senador mineiro da época da “Política do Café com Leite”, ele sabia – e ensinava – que por mais astuto que fosse um político, se ele não conhecesse o cheiro do povo e não soubesse interpretar o “som das ruas” acabaria destronado ao ouvir o “ensurdecedor som silencioso das urnas”. Penso que foi essa lógica da Velha República, ainda tão presente no Brasil moderno das mídias sociais, que fez com que o Presidente Jair Bolsonaro revisse suas atitudes e – estrategicamente como um militar – recuasse dessa batalha para ganhar a guerra mais a frente. As mudanças no cenário foram tão perceptíveis como os panelaços noticiados na imprensa e postados nas redes sociais, que o PR deixou a farda de “Capitão Candidato” e vestiu a de “Comandante da Nação”. 

Só no final da última semana, desde uma entrevista ao comunicador Ratinho do SBT (20/03), o discurso mudou. Revelando um sabido desapego, o PR disse abrir mão da reeleição se o Congresso Nacional aprovar a diminuição das cadeiras de deputados e senadores. Chegou a dizer “estou disposto a isso” e pediu mudanças da Lei Eleitoral e da Constituição para que haja a coincidência das eleições com mandatos de 5 anos para todos os detentores de cargos no Executivo e no Legislativo, seja no Federal, Estadual ou Municipal. Com relação aos governadores, ele também mudou o tom e disse que é preciso haver diálogo para que o Governo Federal junto com os governos estaduais trabalhem no combate ao Coronavírus. A sensatez também apareceu na decisão de telefonar ao Presidente da China para reforçar os laços de amizade e desfazer o mal estar causado pelo próprio filho, para ampliar o comércio e ainda para pedir ajuda com relação às ações de combate à pandemia. 

Em outro recuo, feito com sabedoria pelo PR, ele impediu a publicação de uma Medida Provisória já editada – mas derrubada a tempo – para que as empresas não pudessem demitir empregados durante a quarentena do Coronavírus. Se a medida passasse a valer, como era a ideia inicial do governo, o PR seria responsabilizado e ainda mais hostilizado por ter contribuído com o inevitável desemprego, que ocorrerá em decorrência da pandemia. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, o governo tirou a parte que permitia as demissões porque o PR teria dito “tira porque estou apanhando muito”. Bolsonaro evitou que caísse no seu colo a culpa de ter antecipado esse processo ruim para a população mas impossível de ser contido – o desemprego de parte dos brasileiros – devido à paralisação prevista de meses do comércio de lojas e pequenos estabelecimentos. Naquela entrevista ao Ratinho, ele ainda disse que a expectativa é de que um milhão de trabalhadores percam seus empregos com o Coronavírus. As mudanças foram tantas que até na briga com a imprensa, o PR arrefeceu. O governo editou um decreto que defende o trabalho dos jornalistas e o coloca como essencial no combate à pandemia. Quantas mudanças…

É mesmo como dizia a vovó na lembrança que me veio à mente em tempos tão cruéis como o que vivemos. Tempos de isolamento, que impedem avós de verem os netos e pais de ficarem com filhos como é o meu caso porque tive de optar por cuidar da minha mãe já que não há mais quem o faça. Em momentos assim, o sentimento aflora e as lembranças surgem com a alegria e o amor daqueles dias em suas companhias. Tempos de um Brasil sem pandemias e de muito afeto, quando eu recebia ensinamentos que mal saberia que resumiriam o momento. Afinal, prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém!

Alexandre Jardim