Comunicação além da mídia

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A ignorância é uma bênção!

Publicado por: Alexandre Jardim | 11 mar 2020

Já dizia o poeta inglês Thomas Gray que “Onde a ignorância é uma bênção é loucura ser sábio”, mas a frase “Ignorância é uma bênção” ficou famosa com o personagem Cypher de Matrix (filme de 1999). Porém, antes de Matrix, outra figura icônica da Cultura Pop, John Lennon, já tinha proferido que “A ignorância é uma espécie de benção porque se você não sabe, não existe dor”. Esse pensamento me veio com muita força e, confesso, um impacto negativo e dilacerante da alma ao ver a iniciativa de grupos ligados ao Governo do Brasil, entre eles até o próprio filho do Presidente da República e deputado federal Eduardo Bolsonaro, apoiarem a instauração de mecanismos de controle da mídia como forma de coagir a imprensa e deter críticas feitas ao atual governo da República Federativa do Brasil.

Reforço o nome do nosso país para que se lembrem fazermos parte de uma república e de uma federação. Essa junção determina que temos um regime político com estados e municípios, diferentes entre si, mas com igual respeito à Democracia e às liberdades de expressão. Para reforçar esse conceito, cito o pensamento que inspirou nacionalistas a imprimirem na nossa bandeira a frase positivista de Augusto Comte “Ordem e Progresso”, e recorro ao também francês Voltaire com “Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las” para reforçar o compromisso de quem se diz defensor da Democracia com a manutenção da liberdade de expressão.

A essa altura do texto, você já deve estar se perguntando para que tantas referências do passado ao falar do presente. É para deter a repetição de tristes histórias do mundo. Ao conhecer os fatos e os protagonistas do passado, impedimos que os mesmos atos nefastos se repitam no futuro. O curioso é que o nome desse mecanismo para controlar a mídia é Projeto Veritas (Jornal O Estado de São Paulo de 07/03/2020 “Bolsonaristas tentam atrair projeto dos EUA que coage imprensa”). Veritas é inspirado pela expressão bíblica que diz “conhecerás a verdade e a verdade vos libertará” e o nome dado ao projeto, em curso nos Estados Unidos, deverá ser mantido, no Brasil, e já tem até data marcada para chegar: 2020. 

Volta a minha mente a frase “Ignorância é uma bênção” porque antes não saber o que houve para não ser incomodado e ficar aterrorizado com o que se vê no presente. Para tal, trago outras referencias do passado mais sombrio vivido em tempos recentes. Há quase um século, um movimento pequeno e, inicialmente, de pouca importância surgia na Alemanha com um sentimento nacionalista de acabar com os privilégios dos políticos dominantes daquele país e limpar a corrupção de quem comandou aquela nação. Parece familiar? Então, conheça mais porque se chegou até aqui já optou por não considerar a ignorância uma bênção.

Vamos aos fatos! O ministro da Propaganda Nazista, Joseph Goebbels, na mais completa biografia escrita sobre ele por Peter Longerich (Uma biografia/Ed. Objetiva), revela para nossa reflexão o conteúdo dos seus diários secretos com as semelhanças entre passado e presente. Importante ressaltar que os trechos citados são anteriores à Segunda Guerra Mundial e tinham o objetivo de consolidar o início da administração de Hitler com o controle da imprensa e mecanismos de adequação, cooptação e perseguição da mídia que criticava o novo Governo da Alemanha, nos idos de 1933 a 1938, para mais tarde ser conhecido como Regime Nazista ou III Reich.

Goebbels, como ministro da Propaganda, consegue aprovar o Projeto de Lei Editorial. Na prática, a nova lei deu início ao controle da imprensa alemã como revela a biografia (pag. 235): “Nos primeiros meses… censura e todo tipo de medidas de intimidação tinham sido os instrumentos mais importantes para calar cada vez mais vozes oposicionistas e críticas e impor à imprensa… no segundo semestre de 1933… gradualmente um verdadeiro sistema de controle da imprensa”. Em outro trecho (pag. 236) é lido que “…o Ministério da Propaganda ficou em condições de expandir o sistema de orientações à imprensa… padronização ou nazificação das agências de notícias…”. Naquele tempo, o jornal Frankfurter Zeitung publicou – enquanto outros jornais eram fechados por causa da perseguição nazista – que “o princípio da liberdade de imprensa é um elemento vital e indispensável à existência do Estado a longo prazo” para depois, em um editorial, afirmar que “Para jornalistas seria mais cômodo se o governo declarasse logo de entrada: em tempos difíceis como estes, não pode haver crítica em hipótese alguma”. (pag 250)

No decorrer do Nazismo sobreviveram poucos veículos de imprensa. A maior parte por ter algum tipo de vínculo com o governo alemão. A estratégia para o crescimento de Hitler tinha como foco o controle da mídia porque, segundo a biografia de Goebbels, “somente diante desse cenário de amplo domínio da vida pública foi que o controle nazista dos meios de comunicação de massa pôde desenvolver a sua eficácia plena”. Em outra parte, revela que “Entre 1936 e 1938, Goebbels voltou a se esforçar imensamente para expandir ainda mais seu papel central na política midiática nazista” para que “… todas as mudanças de pessoal nos jornais influentes fossem combinadas com ele”. Eu poderia ainda citar outros trechos que revelam como controlar a mídia é um princípio que pode levar à situações nefastas e que parece inspirar o Projeto Veritas. Vou parar por aqui para que você reflita e independente do que achar, uma coisa é certa: você, agora, não tem mais a seu favor a bênção da ignorância!

Alexandre Jardim