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Entre o Skype e o balde d’água

Publicado por: Alexandre Jardim | 26 mar 2020

A diferença entre o Skype e o balde d’água é a razão desse artigo, mas bem que poderia também ser entre o Google Classroom e a cantina da escola pública…enfim…é melhor começar! Há um pensamento que tem me incomodado muito, nestes últimos dias, e vou dividir com você a angústia dessa reflexão. Os números do Coronavírus são assustadores! Não consigo nem mais acompanhar porque – cada vez que me informo – a notícia é de que morreram mais 600, 700 e … minha angústia só aumenta. Deixo o noticiário, bebo uma água com gás num copo com gelo e depois volto para meu home office para ver qual será a próxima agenda de reunião – via Skype no MacBookPro – marcada para hoje. Enquanto confiro a agenda da semana, paro pra checar as “trocentas” mensagens de pânico e terror sobre a pandemia, nos também “trocentos” grupos de Wathsapp, e desesperado volto a trabalhar pensando em como as pessoas tem tempo para postar essa imensidão de mensagens. De repente, a minha mãe, uma senhora simpática de 85 anos que está confinada com medo da contaminação, me lembra que tem uma conta a vencer e paro tudo para me conectar com o home banking. Sem ao menos ter que levantar da confortável cadeira anatômica importada, paro o que estava fazendo e pago a famigerada fatura de hoje. E claro, sem demora ou filas e, principalmente, sem risco de contaminação.

Antes de continuar, eu preciso te contar que tenho sofrido muito de saudades com esse confinamento porque tive de ficar longe dos meus filhos para cuidar da minha mãe, viúva e sem outros parentes que pudessem ajudar nesse momento. Resolvo a saudade das crianças com chamadas de vídeo, que permitem a mim e a eles sermos vistos com a distância de uma tela num moderno celular lançado neste ano. Converso com eles enquanto se divertem na casa dos avós em meio à piscina, cachorro, guloseimas e aulas pelo Google Classroom já que estudam numa das escolas caras de Brasília e, sendo assim, têm garantidos os conteúdos do ano letivo com os próprios professores para que não sejam perdidos para o Coronavírus.

Não mais urgente que falar com os filhos e verificar os pagamentos do dia, eu ainda preciso saber o que vou almoçar e decido fazer uma inspeção na geladeira. É nessa hora que a dúvida aumenta diante de um congelador cheio de comidas congeladas com opções variadas de carnes, massas e molhos para colocar no forno e comer como se no restaurante estivesse. Porém – de relance – olho para a bancada da cozinha repleta de máquinas modernas que tornam até um Ogro, como eu, num Chef de Cozinha e me assusto porque a garrafa de vinho já é a última. Penso em como farei nas próximas refeições garantidas, devido ao abastecimento previsto para estas semanas, quando a noite cair. Uma tristeza ensaia chegar quando imagino o que fazer, quando confortavelmente estiver na Sala de TV assistindo mais uma série do Netflix, sem ter um vinho para beber enquanto dou “zapeadas” entre a Globonews e a CNN. Se essa realidade, chamada de “Isolamento Social” e que prefiro chamar de confinamento, pareceu semelhante ao que você também tem vivido, então agora você irá entender a razão da minha angústia – terrível e crescente – dos últimos dias. Eu vou te explicar… 

É que a grande maioria da população brasileira não tem essa vida e não pode se “isolar socialmente” porque, se não tem e se o isolamento continuar, corre o risco de nem ao menos poder sonhar que em um dia terá a vida relatada acima. É muito difícil o confinamento, mas vamos lembrar da frase popular que diz que “dinheiro não traz felicidade” e o pobre responde “se não traz, quero é ser triste em Paris bebendo champanhe”. Essa é a realidade do Brasil, que a classe abastada e “isolada” em seus apartamentos e mansões prefere não ver quando grita que ninguém pode sair de casa. Concordo que os números da pandemia são assustadores e também concordo que se o mundo todo mandou as pessoas ficarem em casa é porque a coisa é séria e o “bagulho é doido”! 

O que trago à reflexão é que tenho pensado muito nas opções de quem pode se isolar e de quem se isolado estiver, em breve, poderá estar morto! O que devemos fazer ou exigir que seja feito? O que sei é que não adianta a minha mãe garantir o salário da diarista mesmo sem ela vir trabalhar se as outras “patroas” não fazem igual. Se a moça não tiver dinheiro para o sustento dos dois filhos que dependem dela, como vai fazer? Trancada em casa é que não será! Me pergunto – como ela – quantas outras milhares estão na mesma situação. Quantos pais de família, que tem como única fonte de renda o carrinho de pipoca na porta da escola fechada pela pandemia, conseguirão sobreviver? Quantas mães vendedoras de lojas, que mal conseguiam pagar o aluguel com as comissões das vendas mas que garantiam pelo menos a sobrevivência da família, farão com a lojas fechadas?

A minha angústia é exatamente essa: como conciliar as duas realidades para que uma não destrua a outra e o Coronavírus não destrua a todos? Foi por isso que decidi dividir com você o que tem me consumido nestes dias. Uns falam que os governos precisam liberar dinheiro para a população vulnerável. Aí me vem outra pergunta, não menos angustiante, quem vai controlar essa liberação na ponta? O líder comunitário ou o político descompromissado que vê o momento como forma de obter mais eleitores para as próximas eleições? Mas se não liberar, o povo morre de fome… mas se liberar, pode não chegar até ele. Aí vem a outra tese: abre o comércio e permite a volta das pessoas às suas atividades. Só que a classe que consome vai continuar dentro do conforto dos seus lares. Portanto, o que adianta liberar o comércio e as empresas de voltarem a funcionar se não terá gente na rua porque a classe que consome Netflix, CNN e Globonews continuará trancada em casa com medo da contaminação. A situação é muito séria! Parece aquele outro dito popular: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Então, o que fazer? 

Tenho visto os mais diversos discursos a favor e contra o isolamento, se ele deve ser horizontal ou vertical, mas confesso que não sei qual é o melhor caminho. Por isso, a angústia só aumenta. De uma coisa eu sei, porque já morei no Rio de Janeiro e nasci numa outra grande cidade (BH), que quando a comida faltar em casa, o lanche da escola que ajuda a manter a barriga cheia não existir mais e o desespero chegar por não saber como alimentar os filhos, não há Coronavírus que segure o pobre em casa. É com esse momento que tenho me angustiado e não tenho visto propostas viáveis que possam me convencer. Confio nos médicos e não posso imaginar que se a maioria deles informa que o isolamento é a melhor forma de conter o vírus, que seja mentira. Porém, eu sei que quando a fome aumenta em grandes centros como Rio, SP e BH, o pau quebra e segurar a massa esfomeada nas ruas não será fácil. 

Uns defendem que o Coronavírus não é tudo o que estão dizendo. Outros garantem que é muito pior do que outras epidemias que mataram milhares no mundo como o H1N1. Uns falam de “Apocalipse Econômico”. Outros falam que as empresas e os governos são responsáveis por seus empregados e cidadãos, e que há muito dinheiro no planeta para manter as pessoas em casa sem riscos de mais contaminações. O pior é que se morrerem, nem mesmo terão condições de serem enterrados. Confesso que termino como comecei… sem saber o que vai acontecer com quem não pode lavar as mãos para evitar o Coronavírus porque precisa carregar o balde d’água na cabeça se quiser cozinhar enquanto ainda tem comida em casa. Não sei, mas me junto aos milhares que clamam por uma solução que não privilegie somente às vidas daqueles que tem condições de se isolarem em seus confortáveis lares. Aos que pensem naqueles que há muito já se esforçam, diariamente, para colocar comida na mesa e que podem ficar sem essa opção. Desejo do fundo do coração que a decisão que estiver por vir não torne ainda pior a realidade que todos já estamos vivendo e que não leve à morte um número ainda maior do que o vírus já tem levado.

Alexandre Jardim