Em se tratando de governo Jair Bolsonaro, qualquer tentativa de antecipar lances recomenda sempre muita cautela. Bolsonaro gosta de ser uma espécie de esfinge ao contrário. No caso do mito grego da esfinge de Tebas, a chave era a frase “Decifra-me ou te devoro”. No caso de Bolsonaro, a coisa parece mais funcionar da seguinte forma: “Se você me decifrar eu te devoro”.
Ou seja, ao contrário do oráculo grego, Bolsonaro se incomoda justamente quando alguém decifra a sua intenção e a antecipa. Quando isso acontece, parece ser a senha para que o presidente, depois, faça exatamente o contrário do que foi divulgado. Especialmente quando essa antecipação vem da imprensa. Em defesa de Bolsonaro, é bom lembrar que a ex-presidente Dilma Rousseff tinha também esse cacoete: se vazou para a imprensa, vamos fazer exatamente o oposto do que está sendo dito.
Assim, é mais prudente classificar o juiz Kassio Nunes como o provável indicado para a vaga de Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal deste momento. Se será ele mesmo, os próximos passos é que irão dizer. “Não me decifre ou eu te devoro”.
Porque há quem avalie no meio jurídico se Kassio não seria mais um boi de piranha lançado por Bolsonaro para gerar reação contrário do que realmente o nome preferido por ele. Porque o juiz piauiense não tem nenhuma das características que o presidente passou o tempo todo ventilando que usaria para a sua escolha. Não é “terrivelmente evangélico”, é de formação católica. Não “senta para tomar cerveja” com Bolsonaro, não tem essa intimidade com ele.
E, para surpresa, da ala mais de direita aliada ao governo, nem muito conservador Kassio é. Na verdade, em alguns julgamentos parece mais se aliar a um pensamento mais progressista. Tem ligações com o PSB do Piauí e com o governador do Piauí, Wellington Dias.
Mas a verdade, aí, é que Kassio parece ter bom trânsito em todos os segmentos da política de seu estado. Ele tem boas relações também com o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos ícones do Centrão que cada vez mais se aproxima de Bolsonaro. E aí que está a chave da sua escolha, se de fato ela se concretizar.
Kassio já vinha trabalhando para ocupar uma vaga no Superior Tribunal de Justiça. E era por aí que ele já vinha se articulando politicamente. Nessa articulação, pulou etapas e começou a ser visto por alguns como um possível nome para o Supremo. No caso, o que parece pesar a seu favor e ter atraído o Centrão é a suposição de que se somaria à chamada ala garantista do STF, a turma que toma decisões mais favoráveis aos réus, menos punitivista. Em um tempo de politicos enrolados e tentativa de desmonte da Operação Lava Jato, por aí estaria o patrocínio do Centrão a ele. Na mesma linha, parece ter também obtido o apoio do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ).
Se Kassio ganhar a parada e seguir rumo ao STF, ele poderia ser o nome a integrar a Segunda Turma, que julga as ações da Lava Jato, revertendo ali posições e condenações. Curiosamente, algo que poderia vir a beneficiar o principal adversário de Bolsonaro. Está em curso na Segunda Turma o julgamento da suspeição de Sergio Moro como juiz, levantada pela defesa de Luiz Inácio Lula da Silva.
É preciso acompanhar as reações à direita à indicação de Kassio. Mas, se ele vencer essas resistências, será mais um passo importante no sentido do aumento da influência do Centrão nas decisões de poder no Planalto Central. A ala ideológica de direita primeiro perdeu espaço dentro do próprio Executivo. Depois, foi limada da articulação política no Congresso para dar lugar aos chamados “profissionais da política”. Agora, ela passaria a ocupar espaços na Corte. Cada vez mais os ideológicos vão ficando restritos às diatribes enviadas de Richmond, nos Estados Unidos, por certo autoproclamado filósofo…